sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O corte é na carne do trabalhador



















Por Marcela Cornelli, jornalista

Os cortes nas contas públicas, segundo informações já divulgadas na mídia, podem chegar a 14 milhões. Além disso, a PEC 55, já aprovada, congela os gastos com os setores públicos por 20 anos.

Para nos ajudar neste debate, Previsão entrevistou os pesquisadores, Elaine Tavares, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (Iela) e Maurício Mulinari, do Diesse/SC.

Veja como pensam estes dois estudiosos do assunto. As entrevistas completas iremos disponibilizar posterioemente no nosso site, boletim eletrônico e redes sociais.
 
O ajuste fiscal e os serviços públicos

“Os serviços públicos serão afetados. Os investimentos nas áreas públicas ficarão no mesmo patamar deste ano, sem poder crescer por longos 20 anos. Com isso, se aprofundará a crise na saúde, haverá corte de vagas nas universidades e os estudantes que precisam de garantia de permanência perderão os benefícios, ou eles ficarão tão minguados que não será mais possível sustentar. Hospitais ficarão mais precários, não haverá recursos para moradia”, avalia a pesquisadora e jornalista, Elaine Tavares.

Para o pesquisador do Dieese, Maurício Mulinari, “o ajuste fiscal permanente, iniciado ainda durante o governo Dilma sob a batuta do ministro da fazenda Joaquim Levy e aprofundado pelo governo golpista de Michel Temer, consolidado pela aprovação da PEC 241, cortou no período de menos de dois anos em torno de 40% de todo o investimento público nacional. Isso significou uma retração violenta do emprego e da renda. Com menos investimentos, áreas estratégicas da economia nacional, como a construção civil e o setor de petróleo e gás, por exemplo, foram duramente atingidas.
Os efeitos se espalharam por toda a economia, levando a um desemprego de mais de 12% e uma queda da renda dos trabalhadores de mais de 6%”, diz Maurício.

“Até agora, as negociações salariais ficaram muito mais rígidas, com os servidores encontrando forte resistência até mesmo para a reposição da inflação do período, e, por outro lado, os concursos públicos rarearam. Também diminuiu o orçamento para áreas como as da saúde e da educação, o que impulsionou piora no atendimento público de saúde e as famosas reestruturações do ensino público. Estas últimas, não são mais que uma resposta ao arrocho nos gastos com educação, levando governadores a realizar reformas destrutivas do ensino, fortemente combatidas pelos movimentos de estudantes secundaristas de todo o Brasil”, diz o pesquisador.

Dívida Pública

Para Maurício, “a dívida é um mecanismo fundamental para a concentração da riqueza na mão de poucos capitalistas nacionais e internacionais. Tira do gasto primário (aquele com saúde, educação, saneamento básico, segurança, etc.) e joga para o pagamento dos custos financeiros do Estado. Tira do trabalhador, principalmente do mais pobre, e transfere para os ricos, detentores da dívida pública e beneficiários do sistema financeiro, os chamados rentistas”.

Elaine Tavares também lembra que esse ajuste financeiro já vinha acontecendo no governo de Dilma. Porém, ela destacada que, no governo petista “havia uma certa sensibilidade social, pequena, é verdade, mas havia. Agora, não há qualquer compromisso com os mais pobres. Esses, serão os que pagarão a conta, uma vez que o compromisso maior do governo é seguir pagando os juros da dívida, que consomem mais de 45% do orçamento”. A pesquisadora lembra que “o Equador realizou um estudo de cada um dos contratos e, ao final da auditoria, verificou-se que apenas 30% da dívida tinha base legal. O Equador se recusou a pagar os 70% restantes e nada aconteceu. A vida seguiu, os bancos tiveram de aceitar e receber apenas os 30% considerados legítimos. No Brasil, o governo se recusa sistematicamente, inclusive o do PT, a auditar a dívida”, reforça Elaine.

Dilma X Temer

Sobre as diferenças dos governos Dilma e Temer, Elaine Tavares defende que “no campo da economia, o PT não fugiu da lógica neoliberal. É fato que ao longo dos anos em que houve crescimento econômico, o governo petista investiu em políticas sociais, mas eram valores muito pequenos. Na macro política, o PT seguiu pagando os juros da dívida, priorizado o superávit primário, justamente para bancar a dívida e se propôs a fazer, no final do governo Dilma, o ajuste fiscal. Possivelmente, haveria cortes nos programas sociais, mas creio que não haveria o fim dessas políticas como estamos vendo com Temer”.

Maurício Mulinari analisa que “a diferença entre os dois governos existe, mas não é de essência. Ambos, Dilma e Temer, apostaram no ajuste sobre os trabalhadores. As primeiras medidas do novo governo Dilma, ainda em 2014, foram as MPs 664 e 665, que mexiam em direitos trabalhistas (seguro desemprego e abono salarial) para fazer caixa para pagamento do gasto financeiro do Estado. Logo depois vieram os cortes bruscos no investimento público e na área social, que conduziram uma economia já debilitada pelo rentismo para a recessão brusca.” Para ele, “Dilma pecava, na ótica da classe dominante, pela parcimônia das reformas antipopulares. Ela fazia as reformas, mas era necessário convencer os setores de apoio ao governo (movimento sindical e social organizados), processo lento e cheio de percalços, ainda mais em um momento de aumento do desemprego. A crise se acelerou e os lucros, sejam operacionais ou financeiros, passaram a cair. Neste contexto, a burguesia nacional, articulada em torno da FIESP, das demais entidades empresariais e da grande mídia, topou a aposta por um novo governo, mais orgânico aos seus interesses. Aqui entra a escalada do golpe, que se iniciou ainda em 2015 e se completa em 2016. Dilma é derrubada e Temer assume. O ajuste sobre a classe trabalhadora permanece. O que muda é o ritmo e a violência do ajuste”.

Como reagir à barbárie

“O movimento sindical, na sua maioria, esteve apático e domesticado nos anos de governo petista. Fazendo a crítica ritual, sem organização dos trabalhadores. Agora, será necessário muito tempo para que o movimento sindical recupere a radicalidade. Penso que os sindicatos pagarão um alto preço pela domesticação e não será fácil se levantar. Mas, os trabalhadores sabem que não há saída fora da luta. E haverão de construir alternativas”, finaliza Elaine.

Maurício também sinaliza que a única saída é a reorganização da classe trabalhadora. Para o pesquisador do Dieese, “o movimento sindical e social organizado não se preparou para o momento atual. Os anos de governo Lula, embalados pela melhor conjuntura econômica internacional da história recente brasileira, deseducaram a classe trabalhadora. Os trabalhadores passaram a acreditar na mentira de que ocupavam o papel deplorável e despolitizado de classe média, produto da ideologia vendida pelos magos bilionários do marketing eleitoreiro. Não só a base da classe trabalhadora, mas também os dirigentes sindicais e dos movimentos sociais caíram na armadilha da despolitização. Abandonaram as brigas no chão de fábrica, nas portas das lojas, nas associações de moradores, etc., pelos acordos de gabinete. Abdicaram da verdadeira educação da classe trabalhadora, ocorrida unicamente nos conflitos de classe”.

O pesquisador finaliza dizendo que “se os movimentos social e sindical organizados souberem aproveitar as novas experiências radicais que surgem da juventude, refundar as suas práticas, perder o medo das derrotas burocráticas e ousar lutar radicalmente pelo que há de mais essencial – que são as condições reais de vida da classe trabalhadora, que sofre nos locais de trabalho, nas favelas, no transporte, etc., teremos possibilidade de enfrentar a atual ofensiva capitalista global. Se não houver esta possibilidade, a classe trabalhadora brasileira precisará vivenciar toda a destruição do governo golpista para que, da crise social profunda, possa brotar uma nova esperança”.

Publicado originalmente na Revista Previsão nº 13 - nov/dez 2016

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