sábado, 18 de dezembro de 2010

“... e o perfume das manhãs traz um cheiro de hortelãs”

Míriam Santini de Abreu

Nos dias e noites em que até os meus cílios tinham desejo de dançar, eu colocava no aparelho de som uma velha fita-cassete com músicas regionalistas gaúchas. Eu não lembrava de onde viera a fita, que não tinha identificação de nomes de música nem de intérpretes. Mas a fita, de tanto ser usada – e mal-cuidado o equipamento – começou a falhar. Apesar do chiado, eu fazia os cabeçotes rodarem. De todas as músicas, havia uma que eu amava com especial ternura. O som me fazia montar um cavalo, galopar, ficar sob a grama numa noite de lua cheia.

Em uma de minhas mudanças de endereço, a fita ficou para trás, e a canção amada também. Mas eu me lembrava de um trecho: “... e o perfume das manhãs traz um cheiro de hortelãs”. Nos últimos meses, volta e meia eu colocava esse punhado de substantivos e artigos no Google e no You Tube à procura da canção, mas nada aparecia.

Faz um mês, um colega enviou-me, por e-mail, sua conta no You Tube, na qual ele posta canções regionalistas gaúchas de autoria própria e de outros intérpretes. Motivada, mais uma vez coloquei o trecho lembrado no Google, e eis que a letra apareceu, com o nome da canção e os intérpretes: Descampada (Composição: Darney B.Lampert / Paulo Rodrigues), do grupo gaúcho “Quero-Quero”.

Encontrei o site do conjunto, liguei para Porto Alegre e tive a informação de que a música era do início dos anos 90, 1993, para ser mais exata, e o CD não estava disponível para venda. Pedi que se desse um jeito, que a Descampada chegasse até mim.

- Mas tu não sabes? Um dos integrantes do grupo, o André Lucena, mora aí, em Florianópolis.

Ah, que satisfação! Entrei em contato com o músico e ele gentilmente se ofereceu para fazer uma cópia do CD, intitulado “Lá vem o Rio Grande a cavalo”. Fiquei de encontrá-lo às 23 horas de uma quinta-feira na Rodoviária, de onde ele embarcaria para Porto Alegre. Naquela semana, a partir do momento em que liguei, seria a única vez em que ele – um morador do Norte da ilha - viria ao centro da Capital. Pois na quinta novamente telefonei e ele informou-me que o ônibus sairia mais tarde, à meia-noite.

- Tudo bem – respondi, animadíssima. Não podia esperar mais!

Cheguei em casa cansada naquela noite e fiquei com roupa e calçado estirada na cama, esperando a hora passar. Só que passou demais. Quando acordei, com as lentes de contato coladas nos olhos, o celular marcava meia-noite e 16... Chorei de raiva, e, constrangida, enviei um “torpedo” pedindo desculpas.

Mas o desejo foi maior do que o constrangimento. Passados alguns dias, enviei mais uma mensagem ao André pedindo que, quando viesse ao centro, ele trouxesse o CD. Pois não se passou meia hora e ele me ligou:

- Míriam, vou ao centro agora e levo.

Marcamos um horário, pouco antes de um compromisso ao qual eu não podia faltar. Para chegar a tempo no local combinado, corri sete quadras rua Felipe Schmidt acima, no único dia de 2010 em que resolvi usar uma sandália de salto alto, pois iria a uma atividade cultural à noite. Cheguei ao local do encontro suada, descabelada e mal podendo falar, resfolegando como um búfalo prestes a despencar em um abismo. Devo ter dado péssima impressão, mas o fato é que saí de lá com o CD e o músico com um exemplar da Pobres & Nojentas. E agora “Descampada” é minha. E o perfume das manhãs traz um cheiro de hortelãs...

Por isso, o Quero-Quero me ofertou, por causa dessa música, lembranças de um tempo ido que para mim foi assim, de perfume, manhãs e hortelã. E agora é o que ouço enquanto aqui escrevo.

Visita o Quero-Quero!

http://www.grupoqueroquero.com.br

A letra está em:

http://letras.terra.com.br/grupo-quero-quero/1013293/traducao.html?domain_redirect=_es

Nenhum comentário: