terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dia de festa

Elaine Tavares

Amanhã será o aniversário da minha mãe. Mas ela não está mais. Encantou. Ainda assim, parece que nunca foi embora. Nestes dias em que a ausência pesa mais do que tudo, eu celebro a sua vida. Ouço um disco do Carlos Galhardo, outro da Ângela Maria. Pego seus bordados e arrisco um ponto cruz. Decido iniciar mais um tapete de crochê, que certamente durará um ano para ser completado. Como goiabada com queijo, ensaio um passo de bugio. Vejo velhas fotos e dou muita risada lembrando as coisas engraçadas que ela fazia e dizia.

Feito um inquieto micuim ela estava sempre em ação. Limpava janelas, preparava refeições, arrastava os móveis, buscava teias de aranha, cuidava da horta, adubava suas plantinhas, costurava, bordava, tudo ao mesmo tempo agora. Depois do almoço, ela descansava e todos nós corríamos para a sua cama, e ali ficávamos ao seu lado, lânguidos, ouvindo histórias, dando risada, contando causos. A cama era um porto seguro, um espaço de comunhão.

Hoje, passados tantos anos do seu encantamento, vejo o quanto dela ainda permanece em tudo que somos e fazemos, para o bem e para o mal. Gemada para curar a gripe, chá de boldo para o estômago, mangas nas tardes quentes, café da tarde com bolo, bife à milanesa com purê, pão de casa, pastel com arroz no natal, costelinha de porco comida com a mão. Aos cinqüenta anos me surpreendi outro dia com ela me olhando no espelho. Tão igual. Teimosa e generosa. Valente e melancólica. Doce e guerreira. Leoa e passarinho.

Amanhã, estarei com ela na varanda de casa, sorvendo um chimarrão. E haveremos de conversar longamente sobre as coisas do mundo. A tristeza no Haiti, a violência em Rapa Nui, a eleição da Dilma. E ela balançará a cabeça dizendo: mas que barbaridade. Depois, distraída, vai sorrir seu riso doce e perguntar: e o Internacional, foi campeão? Não mãe, foi o Fluminense! Quê?! Mas que barbaridade. E daremos muita risada...


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