sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Zumbi vive

Elaine Tavares, jornalista

Foi assim, andando sem rumo pelo centro da cidade, eu vi Zumbi. Estava em frente ao McDonalds da Deodoro, encostado na parede, olhando fixo para outros adolescentes como ele, que se empanturravam de Big Mac. Era um guri de uns 17 anos, com um tênis que parecia maior que o pé, magro, calça jeans caída deixando aparecer um fio da cueca e o abdômen bem torneado. O rosto luzia como o de um deus. Impassível, com um pé na parede, ele observava. Não havia ódio, nem raiva no rosto de barba rala, a qual cofiava, pensativo. Talvez um enfado. Nas mesinhas, a gordurosa comida se misturava aos risos dos “bem nascidos”. E ele ali, Zumbi, olhando, soberbo.

Então, como pressentindo que algo muito esperado vinha, ele enfim desviou o olhar do grupo ruidoso. E pela direita surgiu a princesa, Dandara, eu presumo. Gigante, luzidia, caminhava como se estivesse nas nuvens, apesar do salto 10. Poderosa, impressionante, num vestido amarelo ouro que lhe realçava as formas de bronze. Os brincos enormes balançavam brilhantes e ela abriu um sorriso de pérola quando viu o garoto, agora com o rosto suavizado pela visão do paraíso. Na mesa do McDonalds, todo mundo parou para vê-la chegar, era por demais luminosa.

Ela chegou e lhe sussurrou algo. Ele riu largo e olhou para as mesinhas. Ela jogou a cabeça para trás e estufou o peito como a dizer, “vamo-nos”. E saíram pela rua, de mãos dadas, vez ou outra olhando um nos olhos do outro. Ela lhe afagou o cabelo, ele maneou a cabeça, ela lhe tocou a boca com a orelha, ele assentiu. Então, pararam em frente ao carrinho de água de coco. Ela sorveu com gosto a água amarguinha. Ele acompanhou. Ela olhou com mofa para o McDonalds, ele abriu outra fieira de pérolas. E dividiram o coco, um e outro, lambendo o mesmo canudo. Zumbi e Dandara, dois negros de hoje, defendendo suas barricadas. Cá fora assomam os exércitos, os Domingos Velho, a cultura do consumo e da colonização mental. E eles ali, na água de coco, resistindo e rindo-se dos burgueses, como reis do quilombo.

Encheram-me de ternura aqueles dois, e me fizeram ver que a resistência negra aí está, todos os dias, na rua, na cidade, abrindo veredas, a despeito do racismo e do preconceito. E se foram eles pelo mercado afora, deixando um rastro de beleza na rua e em mim.

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