terça-feira, 16 de novembro de 2010

Tomando o céu por assalto - El Salvador e a luta da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional

Por Elaine Tavares - jornalista

El Salvador é um país da América Central com apenas 21.040,79 km. Faz limite com Honduras, Guatemala e Oceano Pacífico. Seu pequeno território inclui ainda nove ilhas e o golfo de Fonseca, abrigando pouco mais de seis milhões de almas. O que é hoje um país dependente, antes da chegada dos espanhóis abrigava duas importantes civilizações: os pipiles, que tinham seu centro em Cuzcatlán e os maias, na parte ocidental. Estes dois povos tinham uma cultura bastante avançada, conheciam a astronomia, a arquitetura e a escrita baseada em desenhos.

Os espanhóis apareceram por aquelas terras no ano de 1524, comandados por Pedro Alvarado que venceu os pipiles e fundou a cidade de San Salvador, para apagar da memória a linda Cuzcatlán. Desde então, o processo de extermínio das comunidades autóctones seguiu como em toda a América Latina, e instalou-se a colônia. Ainda assim, a cidade fundada por Alvarado teve um protagonismo importante na luta pela independência da região. Quando por todo o continente clamavam as vozes de libertação, em 1811, um padre de nome José Matias Delgado levantou o povo em armas. Foi derrotado mas plantou uma semente que nunca mais haveria de deixar de germinar.

Tanto que quando a Guatemala se fez livre em 1821 e anexou El Salvador ao seu território, os movimentos por liberdade não cessaram. Durante muitos anos a região fez parte das Províncias Unidas da América Central (com Guatemala, Honduras, Nicarágua e Costa Rica). Mas, em 1841, finalmente El Salvador tornou-se república independente.

Esta condição não foi coisa fácil e por 40 anos o país viveu inúmeros conflitos entre as forças conservadoras e liberais. Foi só no início do século XX que os conservadores venceram a queda de braço e governaram o país por décadas, sempre escolhendo seus sucessores sem se importar em consultar a população. El Salvador era como uma grande fazenda, na qual as gentes eram apenas um detalhe. Ditadores eram coisa comum no país.

Mas esta face da opressão e violência contrastava com o desejo de liberdade que seguia vivo na população e eram as revoltas populares que faziam avançar direitos no país. Apesar da mão firme dos dirigentes militares, o povo se insurgia vez ou outra e o Partido Comunista era uma das poucas instituições a travar a luta por democracia e autoderminação.

Nos anos 60, quando toda a América Latina caiu sob as ditaduras militares, El Salvador já era “useira e vezeira” desta prática. Ainda assim, naqueles anos os partidos de esquerda foram colocados na ilegalidade. Mais de 300 mil pessoas sairam do país, fugindo da miséria e da opressão. Quando os anos 70 chegaram, a luta interna exigia medidas mais radicais e é aí que nascem as Forças Populares de Libertação “Farabundo Martí”, o Partido da Revolução Salvadorenha, que ficou conhecido como o Exército Revolucionário do Povo, a Resistência Nacional e o Partido Revolucionário dos Trabalhadores Centroamericanos. O país vivia uma efervescência popular que ficou ainda mais forte com o triunfo da revolução sandinista, na vizinha Nicarágua, em 1975. Vários focos guerrilheiros floresciam no país.

A experiência nicaraguense levou a um processo de unificação da esquerda que constitui a Coordenadora Político Militar, juntando várias instituições. No campo político nasce, nos anos 80, a Frente Democrática Salvadorenha, disposta a jogar no campo eleitoral, dentro das regras da democracia liberal. Mas, essa experiência não dura mais do que 17 dias e as entidades percebem a necessidade de se preparar a investida armada conjunta, por isso também é criada a Frente Democrática Revolucionária. A luta se acirra em todo o país contra o governo de corte autoritário e direitista. Em março de 1980, nem mesmo o bipo da igreja católica Dom Oscar Romero é poupado. Por ajudar os pobres e defender os guerrilheiros era muito mal visto pelo poder, o que levou ao seu assassinato, em plena missa, quando rezava junto com seus fiéis.

A morte de Romero acelerou a junção da esquerda, que atuava em focos separados. Assim, no dia 10 de outubro de 1980, a união de três grandes entidades de esquerda dá vida à Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional com o seguinte manifesto: haverá somente uma direção, um só plano militar, um só comando e uma só linha política. Diante disso, os Estados Unidos passou a ajudar o governo salvadorenho, pois havia que derrubar qualquer outra tentativa de libertação na América Central. Começa então uma guerra sem quartel. O governo é cada vez mais duro, usando todas as armas do terror contra a população camponesa. As gentes resistem em frentes de luta organizada.

A guerra civil em El Salvador durou longos 10 anos, ceifou mais de 75 mil vidas, e as forças revolucionárias não lograram vencer. A ajuda militar estadunidense que fincou pé na região para destruir os sandinistas, acabou por atuar também no país, levando a FMLN a assinar um acordo de paz em 1991, sob a mediação da ONU e hoje a Frente é partido político integrado á vida institucional salvadorenha.

Mas é na década de luta guerrilheira da brava gente salvadorenha que nasce a Rádio Venceremos, inspirada na histórica Rádio Rebelde criada por Che Guevara na Cuba revolucionária. Esta emissora, transmitindo nas condições mais adversas, no meio da mata, conseguiu ao longo de todo o processo revolucionário ser uma referência de luta e organização do povo alçado em rebelião. Hoje, a memória daqueles dias de bravura e esperança está registrada no Museu da Palavra e da Imagem. Um dos fundadores da rádio, o venezuelano radicado em El Salvador, Carlos Henríquez Consalvi, que hoje comanda o museu, conseguiu recuperar um vídeo que conta como atuavam os comunicadores populares durante a marcha pela liberdade.

O documentário emociona ao mostrar homens e mulheres na valente tarefa de difundiar informações desde a selva, sem qualquer possibilidade técnica, apenas com a férrea vontade de mudar o mundo. As caras de alegria de cada um dos que ali protagonizaram a história do povo salvadorenho são e uma ternura abissal. E mostram como é possível fazer comunicação quando o que está na frente é um sonho possível de vida digna e riquezas repartidas. Tomando o céu por assalto, estas gentes salvadorenhas nos ensinam o caminho. Vale a pena ver.

http://www.tal.tv/es/webtv/video.asp?house=P001483&video=10-ANOS-TOMANDO-EL-CIELO-POR-ASALTO

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