sexta-feira, 2 de julho de 2010

Com Vicki Peláez, hoje mais que nunca

Por Dante Castro - Peru

A jornalista Vicki Peláez foi quem revolucionou a reportagem de rua na televisão peruana. Começavam os turbulentos anos 80 e, a imprensa devolvida aos seus proprietários, mais o retorno à democracia representativa, sacudiram as ataduras impostas aos meios pela ditadura militar de Morales Bermúdez. A propriedade dos meios de comunicação estava com a gente da direita, mas os jornalistas eram quase todos de esquerda. Das escolas de jornalismo saiam profissionais identificados com os interesses do povo (agora não mais). E, entre eles se destacou a cusquenha Vicki, com suficiente audácia para baixar até as portas do inferno se fosse necessário.

Uma tarde, ao final do segundo governo de Belaúnde, ela foi seqüestrada por um comando do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA)e o preço de sua libertação foi que o Canal 2 passasse a reportagem completa em nível nacional. O MRTA anunciava o início de sua campanha guerrilheira com a recuperação da espada e da bandeira original do libertador José de San Martín. Os encapuzados, portando moderno armamento de guerra, rodeavam a Vicki Peláez e informavam aos telespectadores sobre o programa tupacamarista.

Quando Vicki foi libertada pelos seus captores, os serviços de inteligência, muito mais desorientados que os de hoje, começaram a seguir a jornalista e a gravar sua vida, com a intenção de mostrar sua cumplicidade com o MRTA. Todos os que conheciam a Vicki, sabíamos que essa não era sua posição política. Pois ela teve de mudar-se para outras terras e buscar outros climas onde exercer o jornalismo crítico e de investigação sem ser perseguida. Foi assim que chegou aos Estados Unidos, não para se aliar aos ianques, mas para manifestar sua posição inamovível frente a toda injustiça, venha de onde vier.(Isso tem de ser bem esclarecido porque não podemos permitir que qualquer desorientado, torpe e ignorante, tire por conclusão que por estar Vicki nos EUA e trabalhar num jornal de lá, tenha se vendido ao imperialismo. Isso não é assim).

Encontramos-nos em 1992 fazendo curso de pós-graduação em Literatura Latino-Americana, em Havana, Cuba. Contei a ela que já conhecia seu marido Juancho Lázaro, porque havíamos praticado karatê no dojo Zen Bu Kan, por vários anos, sob a direção de Koichi Kokubo. E também lhe contei que nesse mesmo dojo praticava karatê junto com a gente, um silencioso advogado que depois identificamos como sendo Vladimiro Montesinos. Rimos muito destas causalidades da vida.

A intenção de Vicki em Havana não era só estudar literatura, mas também buscar a cura para um câncer do qual padecia sua irmã. Nunca cheguei a saber se tudo deu certo. Espero que sim. Isso é para que fique claro que ela não foi à Cuba para aceitar ser espiã.

Vicki já trabalhava como jornalista num diário de Nova Iorque onde naturalmente não imperava uma linha de esquerda, mas onde havia um certo clima pluralista. Lá, ela criticou duramente o bloqueio anticubano, apesar de dividir espaço no mesmo jornal com jornalistas de opinião diferente. Seus artigos e investigações sempre colocaram a descoberto as manobras belicistas dos falcões ianques, denunciavam as violações de direitos humanos e destapavam casos de corrupção.

Uma das vezes em que retornou ao Peru, foi me visitar na revista Caretas, onde eu trabalhava. Tomamos sorvete de lúcuma (coisa que não existe em Nova Iorque), recordamos a nossa esta em Havana e ela me deu várias pistas a seguir de escândalos de corrupção em Lima, e me falou sobre como se vão embora os lucros que se obtêm com o turismo em Cuzco. Graças a ela entrevistei o presidente regional e constatei todos os fatos. Foi o meu artigo da semana.

Anos mais tarde, uma amiga de São Marcos quis ir trabalhar nos EUA como jornalista, já havia exercido a profissão em Lima e queria alçar novos vôos. Recomendei que visitasse Vicki Peláez em Nova Iorque. Um mês depois me disse que Vicki já tinha lhe apresentado aos seus diretores e ela estava trabalhando no mesmo diário. Não aconteceu o mesmo comigo porque, no meu caso, a recomendação tinha de ser feita por um cubano emigrado aos EUA, e como faria qualquer cubano exilado, ele não me aprovou.
Eu não andava muito bem por aqui. Era os dias em que o general Miyashiro difundiu a calúnia de que Dante Castro, igual que seus amigos, era membro das FARC no Peru. A revista Caretas, onde eu trabalhava, não me demitiu, mas nunca mais voltaram a me dar uma página ou comissões. Sem poder responder a Miyashiro, optei por me demitir voluntariamente. Mas, isso não importa, e sim o que acontece hoje com Vicki.

Hoje a estão processando nos EUA, acusada de espiã russa. Nada mais absurdo. Esse teatro foi montado pelos serviços de inteligência estadunidense, a CIA e o FBI, para calar uma das vozes mais críticas da imprensa escrita de Nova Iorque. Essa montagem reciclada da guerra fria e dos tribunais macartistas está sendo armado bem diante do nariz do “simpático” e "democrático" Barack Obama.

Suspeito eu que depois de fazerem toda uma campanha de desqualificação em público, lhe pedirão desculpas em privado e a mandarão para fora dos Estados Unidos. Isso deve começar hoje com a audiência pública na qual serão lidas as acusações e mostradas as “provas”. Advirto que nenhuma prova tem peso suficiente e tudo se reduz a suposições. Não há nada mais distante para Vicki que a Rússia pós-soviética, assim como há 20 anos também era distante para Vicki a Rússia soviética. Ou seja, não há nada com os russos.

Os jornalistas peruanos – e latino-americanos - deveriam demonstrar indignação por esse macabro espetáculo e fazer manifestações em favor da dignidade da nossa colega. Parece que muitos ainda tem dúvidas e acreditam que o FBI não se equivoca e que, como Deus, está sempre fazendo o que é certo. Será por isso que ninguém por aqui se manifestou contra a captura de Vicki e de seu esposo Juancho. A um acusado se presume inocência, assim ensina o jornalismo. Por isso, não podemos condenar, com nosso silêncio cúmplice, a uma vítima do imperialismo.

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