quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Des-conhecendo

Elaine Tavares
Ontem encontrei uma mulher que jamais vira. Não sei se por conta destas correrias da vida, quando a gente não pára mais para olhar. Então, na tarde de sol quente, naquela hora morta em que parece que o mundo inteiro dorme, ela veio, mansinho. Seu rosto, estranho, em princípio me assustou. Depois, fui absorvendo cada detalhe. A cara, vincada de pequenas rugas não tinha ansiedade. Era como se cada um daqueles riscos fosse uma dessas cicatrizes que gostamos de lembrar, por uma traquinagem de infância ou por conta de evocar boas memórias.
A mulher que me olhava, serena, já não tinha mais pressa, mas seguia encarando o mundo com olhos de fogo. Os braços estavam flácidos, as pernas já não tinham a firmeza de antes, mas os pés continuavam a seguir na mesma velha direção traçada anos-luz antes. Os olhos míopes não viam distâncias, mas não precisava, contou. As realidades que sonhara ainda não tinham se feito fatos, e ela continuava abrindo caminhos. A amargura da juventude tinha se dissipado e toda aquela tristeza que acumulara por esperanças mal havidas se esvaíra por entre os anos. A mulher estava mais madura.
Não era bonita, não tinha glamour, subsumia entre as gentes. Pessoa comum, ínfima, vazia de segredos. Ainda assim me tomava a atenção. Alguma coisa no jeito de rir, de manear a cabeça, de apertar os olhos, era quase familiar. O cabelo, comprido e mal cuidado, branqueava, mas ela não se importava. Bom demais se sentir madurar, como fruta, sem cair do pé. “É hora da doçura”.
Na modorra da tarde, ali estávamos, ela e eu, frente-a-frente. “Já não há medo de findar”, disse, espreguiçando, lânguida como gata. “Nenhuma conta a prestar, só o viver, lento, devagar”. Corpo gasto, coração fraco, cabeça cheia de vontades. Ânima! Espírito livre, navio sem âncora. Ah, deliciosa sensação de não ser premente. “Somos nada” – disse –“o sonho de uma vaca”. E gargalhou, faunica!
Eu fui embora, mas ela ficou no espelho...

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