segunda-feira, 9 de junho de 2008

A madrugada é perigosa para mim

Míriam Santini de Abreu

A madrugada é perigosa para mim. Quando as outras vozes se calam, as minhas vozes libertam-se de uma prisão que desconheço para me assombrar. Gritam. Sussuram. São de uma lucidez insuportável, não temem nada. Posso pouco quando, furiosas, me acusam; quando, repletas de suavidade, me perdoam. Abro a cortina devagar para encontrar cúmplices, mas o mundo dorme, e os despertos devem também estar às voltas com inquietações ardentes. Do corpo. Da alma. Há uma certa hora, a mais quieta, em que todas as verdades do mundo me encontram, fico flamejante, sábia das coisas da infância e da velhice. E num átimo, num tempo incontável nem antes nem adiante, desconheço tudo, escapam-me de todo as certezas. E fico buscando inutilmente a plenitude perdida, para voltar ao lugar e ao tempo de onde parti, ignorando sempre um pouco mais.

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