terça-feira, 27 de maio de 2008

Via Crucis do correntista

Míriam Santini de Abreu

Estava inativa há dois meses a conta que eu mantinha em um banco privado. Solicitei um extrato e tomei o susto: R$ 30,00 de gasto com tarifas. Paguei a dívida e acordei na segunda-feira disposta a cancelar a conta.
Primeira Estação
Ligo para um 4004. Depois de aguardar alguns minutos para poder discar o dígito para atendimento pessoal, sou informada de que o cancelamento deve ser feito em minha agência, a quase 200 quilômetros de Florianópolis.
Segunda Estação
Ligo para a minha agência. Lá me dizem que cancelamento só por um 0800 exclusivo para encerrar contas. Disco e aguardo a oportunidade de falar com um ser humano, e não com uma gravação. A funcionária é taxativa: o serviço só pode ser feito em minha agência ou em uma agência “parceira”.
Terceira Estação
Digito um ofício requerendo o fim da conta, assino, embarco num ônibus e marcho para uma agência do banco no Centro da Capital.
Quarta Estação
Há apenas um rapazote no balcão de atendimento e dois seguranças na térreo da agência. O rapazote está no telefone. Vou até o segundo andar e pergunto:
- Onde cancelo conta?
- Lá no fundo, no balcão.
A funcionária dos fundos está no telefone. Desliga e informa que o cancelamento é no térreo. Desço, mas espumando de raiva.
Quinta Estação:
Explico o caso ao rapazote. Ele faz a mesma Via Crucis na qual deixei meu lamento. Informam a ele, no 0800, que o cancelamento só pode ser feito na minha agência. Prestativo, o bancário explica que a cliente está “extremamente incomodada”. Pedem que ele ligue para a minha agência. Lá a gerente da conta responde que não pode fazer nada, só pelo 0800.
Sexta Estação:
O funcionário relata à gerente da conta os detalhes do meu calvário, parecendo, a meu ver, tão irritado quanto eu. Compreendeu a minha raiva. Depois de insistir com firmeza, ele finalmente consegue fazer um memorando interno que assino e que é remetido, via malote, para a minha agência.
Conclusão
Depois de fazer picadinho do cartão eletrônico do banco, medito sobre a diferença entre o público e o privado. Não adianta querer discutir políticas públicas de educação e saúde na sede chique dos planos privados ou na escola particular dos filhos. Ali somos clientes. Ou paga e aceita ou procura outro prestador de serviço. A discussão tem que ser na escola pública e no SUS. Ali a gente é cidadão. Mas quem pode fazer essa briga não faz. Prefere ser cliente. E assim todos ficamos cada vez menos cidadãos.



2 comentários:

Samuel Frison disse...

Com certeza. Na hora de nos ter como clientes é muito rápido e fácil. Mas na hora de nos perder, ninguém sabe de nada. É como casamento e divórcio. Um muito fácil, o outro, demorado e indigesto. Bj

Circula Ali Primera disse...

O capitalismo é implacável amigos. Somos apenas dígitos nos arquivos!!! Não há humanidade possível num sistema em que para que um viva outro tenha que morrer...