sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Amores cachorros

Dois inquietantes filmes na semana de Natal. Um deles, Amores Brutos, do mexicano Alejandro González Iñárritu. Outro, Fahrenheit 451, dirigido por François Truffaut. Do primeiro, destaca-se uma frase dita por uma personagem: "Se quer fazer Deus rir, conte-Lhe seus planos". E há também os cães, sangrentos depois de batalhas, mordidos por ratos, sobreviventes. O cachorro negro, Cofi, brutal, irracionamente brutal, humanizando o ex-gerrilheiro El Chivo.
No cultuado Fahrenheit 451, bombeiros devem incendiar todos os livros que encontrarem. No final aparecem os homens-livro, que decoram clássicos da literatura para salvar a palavra da fogueira.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Calor na Serra


Míriam Santini de Abreu, jornalista

30 graus na Serra Gaúcha, as gentes correndo no Centro atrás de presentes. Eu estou a esvoaçar, tirando fotos para as próximas croniportagens de Pobres & Nojentas. Flanando. E à volta esse estranho fragor da Cidade, expectiva de um a-vir natalino que - penso - deveria ser mais leve, sutil, um louvor. Mas o tempo parece ser de louvações ruidosas, que o calor não afeta. A foto é da árvore cantante do Natal-Luz de Gramado, da Agência Pressphoto.

sábado, 22 de dezembro de 2007


Míriam Santini de Abreu, jornalista

Lua crescente, mas em Florianópolis parece cheia, explodindo sobre a Baía Norte, calor depois do Solstício de Verão... E fiquei eu, a saudar a Lua, num huaca na Ilha de Desterro, no melhor estilo de Pobres & Nojentas.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Sim, sou presepista!

Elaine Tavares, jornalista

Tenho gravada nas retinas e no coração as imagens dos natais da minha infância. No início do mês de dezembro minha mãe começava a preparar a construção do presépio. Era uma tradição. Nós, os três filhos, participávamos organizando os personagens da famosa noite em que nasceu Jesus. A família, os bichinhos, os pastores, os reis magos, a estrela. A coisa levava o mês todo.

Havia a árvore de natal, mas ela era absolutamente secundária. Porque minha mãe reverenciava o menino e não o Papai Noel. Naqueles dias, no interior do Rio Grande, o capitalismo selvagem ainda não tinha chegado com toda a sua força. Depois, eu cresci, e segui a velha tradição. Todo o natal, monto o presépio com todos os seus personagens. Passo o mês inteiro esperando pelo dia do aniversário daquele que tenho como uma das figuras que mais amo no mundo.Sempre há os que dizem que ele não existiu, que é uma invenção de Paulo. A mim não importa. Tudo que sei é que as histórias que dele se contam, das coisas que ensinou, amparam minha prática de vida. Jesuânica. Por isso o natal é tão importante pra mim.

Não que eu precise de um dia específico para lembrá-lo ou falar dele. Mas é um aniversário e é bom celebrar.Por isso me agride a imagem gigante do Papai Noel que foi montada na entrada da cidade onde moro, Florianópolis, num chamado ao consumo. E me choca ver que as pessoas acham lindo e sequer questionam toda a carga de ideologia que aquele símbolo sustenta. Aqui, na ilha da fantasia, o natal é sinônimo de compras. A própria figura do Papai Noel perdeu seu sentido original, do bom velhinho que vinha visitar as crianças na noite do grande advento. Agora, natal significa consumo, louco, desenfreado. Nas telas da TV tudo o que se fala é da porcentagem do aumento das vendas e nas ruas já começa o frenesi dos pacotes.

Eu não dou presentes no natal. Busco o refúgio interior e o encontro com a idéia de Jesus, o cara do aniversário. Conspiro com as demais culturas originárias do hemisfério sul que celebram o solstício de verão. Faço minhas cerimônias, minhas rezas e celebrações. No dia do solstício, que é o 21, o sol parece ficar estacionado no céu. O dia é longo e a gente faz reverências àquele que nos dá calor e propicia a vida.Então, natal é isso: festejar a vida.

Celebrar com os que amamos a idéia de que o mundo precisa ser justo, que as riquezas devem ser repartidas, que as pessoas devem ser solidárias e amorosas. É dia de comungar com os ancestrais, com a natureza, com a vida que vive. Dia de agradecer por poder estar neste lindo jardim. Se há algo a presentear, que seja essa idéia, de que o natal não é um dia para comprar presentes impessoais, impostos pelo mercado capitalista. O natal é dia de armarmos nosso presépio interior, com todos os personagens do nosso grande advento.Feliz Natal... Feliz Solstício... !!!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Desejo

E quando o fauno foge
da baia?


Severiana, a contadora de causos

Imperdível o perfil de Severiana Rossi Correa, 84 anos, moradora de Taió, SC, escrito pelo jornalista Eduardo Schmitz para o número 10 de Pobres & Nojentas, que circula a partir da semana que vem. Severiana é colunista de Uma história, depois outra, publicada no jornal mensal Observatório Local, de Taió, onde publica causos sempre cheios de assombração, bruxas, padres, benzedeiras, fazendeiros, peões, raios e trovões. A foto de Severiana com a cachorrinha Tuca é de Eduardo Schmitz. Aguarde!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

As palavras aprisionadas

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Desejos estranhos, misteriosas motivações, fazem do ser humano. Desde que li sobre o jornalista James Agee em um texto do amado jornalista Marcos Faerman, não tive sossego. Faerman cita Agee em um dos mais belos textos sobre o trabalho do repórter. Agee, conta Faerman, foi escalado para fazer uma reportagem sobre famílias rurais na época da Depressão no EUA. Ele foi, e voltou com um épico.
E estou eu, há anos, atrás desse épico, sem tradução em português, esgotado em espanhol. Fuçava em tudo na internet. E eis que, semana passada, encontro um exemplar em francês no site Estante Virtual, do qual sou cliente assídua. Lá estava, no sistema de busca, Louons maintenant les grands hommes. E louvemos agora os grandes homens. Ah, que delícia encomendar e esperar chegar, e cá o tenho nas mãos, sentindo, com um arrepio quase erótico, o cheiro de livro de sebo bem-cuidado, edição de 1972 da Librairie Plon, brochura elegante, as páginas coradas de um leve amarelo, encarte de fotos... Junto chegou outra encomenda, Alexandre e César, de Plutarco, edição de 1956 em português, brochura com um cheiro mais... nobre, eu diria, uma nota de fundo adocicada.
Plutarco me terá, mas Agee revela-se em uma língua estranha. Por isso falo de misteriosas motivações. Só para lê-lo, comprei um dicionário e uma gramática da língua francesa. Vou aprender. Agee em breve me terá.

Trecho de Marcos Faerman sobre James Agee:

As lembranças do repórter. 'Tudo isto me parece curioso, obsceno, aterrorizante,
disse certa vez um repórter, James Agee, de quem fiz a citação anterior.
James Agee. Um repórter. Era um garoto quando a Life lhe pediu a história de
algumas famílias rurais na época da Depressão dos EUA, de onde nasceu uma
espantosa reportagem, Louvemos Agora os Grandes Homens. A Life rejeitou a
reportagem de Agee por considerá-la anti-jornalística. Agee descrevia com
minúcias até a respiração do pesado sono de trabalhador. Construiu um documento
eterno. Seu relato é obra à altura de Steinbeck, John dos Passos, Faulkner. Quem
quiser saber alguma coisa sobre a vida camponesa nos anos 30 terá que ler este
relato que a Life rejeitou. O relato seria publicado na forma de livro. Trinta
anos depois seria editado numa coleção de Antropologia dirigida por Lévi
Strauss. Da rejeição em nome do jornalismo para a glória (as famílias camponesas
assassinadas em nome do jornalismo renasceram!).

Texto completo em:
http://www.andredeak.com.br/emcrise/nao-pereciveis/npfaerman.htm

Mulher enluarada


Um Dalí de carne, fogo e pedra.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Hilda Hilst na P&N!


A edição 10 de Pobres & Nojentas chega na próxima semana, com destaque para a entrevista com a escritora Hilda Hilst, feita pelo jornalista e poeta Fernando Karl em 2002. Linda Hilst... Foto em destaque de Fernando Lemos, feita em 1957 e extraída da página http://www.cosmo.com.br/galeria/hilda/

As fotos selecionadas na mostra da página acima pertencem à Coleção Hilda Hilst, adquirida em setembro de 1995 pelo Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio (Cedae), da Unicamp.

Aguardem P&N 10!

domingo, 16 de dezembro de 2007

Frases de amoroso amor

O amor só descansa quando morre.
Um amor vivo é um amor em conflito.
Uma grande pessoa é aquela que faz nascer dentro da gente um grande sentimento.
Quando duas pessoas se amam, elas não se submetem e não se dominam, apenas se completam.
A beleza das pessoas está na capacidade de amar e encontrar no próximo a continuidade de seu ser.
O tempo faz tudo valer a pena. E nem o erro é desperdício. Nada de grande no mundo é feito sem paixão.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Editoras de P&N publicam resenha

Elaine Tavares e Míriam Santini de Abreu, editoras de P&N, tiveram resenha publicada na Revista Acadêmica Semestral do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo e Mídia da UFSC, “Estudos em Jornalismo e Mídia”, Volume III, Número 2, referente ao segundo semestre de 2006. A resenha de Míriam é intitulada “Do lugar para o mundo: o caminho do jornalismo ambiental”. A de Elaine é “Jornalismo dissecado: para uma outra práxis”.

Leia a resenha de Míriam Santini de Abreu:

Jornalistas interessados em discutir a chamada questão ambiental encontram interlocutores na Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental. Para buscar notícias, reportagens e artigos com o mesmo foco, nutrem-se em páginas como a da Envolverde. Nos últimos dez anos, também encontram disponíveis publicações específicas – ainda que poucas - sobre a relação entre jornalismo e meio ambiente. Uma delas é Formação & informação ambiental: jornalismo para iniciados e leigos, da coleção Formação & Informação da Summus Editorial. A abordagem dos seis artigos do livro, organizado por Sergio Vilas Boas, revela os avanços que o jornalismo sobre meio ambiente experimenta, mas também deixa insinuadas as fraquezas.
A edição especial Nossas Cidades, publicada pela revista Realidade em 1972, é citada por Roberto Villar Belmonte, no artigo Cidades em mutação, para criticar a forma como a cobertura é feita hoje, com espaço restrito para investigações e análises. O autor também lista experiências que tiveram êxito em discutir e propor medidas baseadas no direito à cidade para todos. A idéia parece óbvia, nas não é. Morar em uma cidade é diferente de viver nela. Na população urbana brasileira, uma minoria tem acesso a tecnologias que permitem o aproveitamento pleno do tempo e do espaço.
Belmonte cita pesquisas que indicam a opinião dos brasileiros sobre o meio ambiente e observa que foi um avanço a percepção do papel do poder local na preservação: “Um desafio para os jornalistas a partir de agora é mostrar a responsabilidade de cada um, e não transferir o problema apenas para as ‘autoridades (in)competentes´” (p.28). O desafio, porém, é ainda maior: como medir a responsabilidade de cada um? E como refletir sobre isso sem tocar num tema maior, a transição da democracia representativa para a participativa?
Em Verde como dinheiro, Regina Scharf escreve sobre a incapacidade de parte da mídia de mostrar como a questão ambiental se relaciona com o político, o econômico e o social. Um enfoque interessante do artigo se refere à dificuldade de acesso a informações sobre o quadro ambiental brasileiro e ao conteúdo pouco crítico do noticiário sobre marketing ecológico. Tanto na televisão quanto nos meios impressos, é cada vez mais comum encontrar publicidade – algumas disfarçadas de jornalismo – de corporações que alardeiam “responsabilidade social” com o meio ambiente. Assim é que muitos mitos e miragens, como nomeia Scharf, são vendidos aos jornalistas como verdades.
Jornalista e biólogo, Eduardo Geraque leva o leitor a um passeio descritivo a sistemas ecológicos como os manguezais e a mata atlântica. Com a experiência de repórter, narra vivências e relatos de caranguejeiros de Vitória (ES) e moradores na Reserva de Mamirauá (AM), mostrando que o discurso jornalístico sobre meio ambiente precisa fazer a relação entre o singular, o particular e o universal, como ensina Adelmo Genro Filho. É nessa relação que reflexões e práticas do estar-no-lugar, estar-no-mundo vão adquirir sentidos mais plenos e capazes de instigar novas (outras) interpretações. Geraque é o único articulista a citar um aspecto pouco explorado nas discussões sobre o jornalismo ambiental: o texto. Para ele, é preciso “oxigenar” as formas de expressão das grandes reportagens que marcaram o chamado Novo Jornalismo, pensando-as no contexto do jornalismo brasileiro no século 21.
Água de uma fonte só, artigo de André Azevedo da Fonseca, discute o tema a partir de uma imersão histórica recheada de citações de documentos e de estatísticas. Traz exemplos do Brasil e de outros países da América Latina para mostrar como a água virou negócio na mão de corporações como a Nestlé. No caminho aberto por Geraque, Fonseca também critica a generalidade dos discursos jornalísticos, que “[...] carecem da concretude necessária para estabelecer um vínculo carnal entre o cotidiano das pessoas e a urgência da problemática da água”. (p.146)
Carlos Tautz constrói o artigo Oxigênio para a energia a partir do conceito de jornalismo para o desenvolvimento. O autor critica o jornalismo hegemonizado pelas grandes empresas de comunicação e, na outra ponta, os reflexos disso na cobertura jornalística da desregulamentação do setor energético nos anos 1990. O pensar crítico de Tautz se volta para a parcela da população – a maioria – historicamente deixada de lado nos projetos oportunistas de aproveitamento energético. O autor também discute os avanços e retrocessos na disseminação de informações e de experiências, cuja troca “[...] é um fator vital na constituição de um discurso comunicacional que expresse o desejo latente de outro país”. (p.175)
Engenheiro agrônomo, pesquisador e educador ambiental, Odo Primavesi é autor do artigo Dilemas da agricultura, que discute problemas e potencialidades baseadas no tripé água-solo-vegetação. A crítica incisiva que ele faz às políticas agrícolas – que geram divisas, tidas como necessárias para atender às importações – infelizmente pouco aparece na grande mídia: “Mas a quem atendem essas importações? Qual é o custo-benefício dessa troca? [...] Assim, vai-se deteriorando a estrutura energética de produção de alimentos da cesta básica e, sem alarde, aumentando nossa dependência de outros que os produzem”. (p.189)
Os artigos do livro insinuam alguns desafios e um caminho para o jornalismo ambiental. O fato é que a informação mais qualificada e os melhores textos estão em jornais e revistas temáticas, em páginas na Internet ou programas em emissoras de sinal fechado, inacessíveis à parcela da população que mais precisa delas. Sabe-se que 54,35% da população brasileira nunca utilizou um computador e 66,68% nunca usou a internet, conforme pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil divulgada em 2007. O melhor do jornalismo ambiental, portanto, está disponível para um público formador de opinião, exigente no discurso, que paga por informação de qualidade, mas não precisa dela para mudar condições ambientais adversas. Além disso, notícia publicada na Folha de S.Paulo em 27 de maio de 2007 revela que 93% das pessoas ouvidas em uma pesquisa nos Estados Unidos acham que as empresas são responsáveis por preservar o ambiente; os estadunidenses cobram medidas, mas não estão dispostos a abrir mão de hábitos e conforto.
Daí se tira uma conclusão possível, mas provisória: o caminho do jornalismo ambiental é fazer a ponte entre o lugar e o mundo, mas não um lugar qualquer: a crítica que os autores tecem, o discurso que eles propõem, precisa chegar àquela parcela da população que pouco tem para abrir mão e para a qual, hoje, é oferecida a sobra mais descarnada do jornalismo.

VILAS BOAS, Sergio (org.). Formação & informação ambiental: jornalismo para iniciados e leigos. São Paulo: Summus, 2004.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Karletras II

Uma temporada no leprosário de Santa Água

Fernando José Karl

Fui internado ontem no leprosário de Santa Água. Sofro, aqui, o perverso gozo da derrota inteira, misturado a cabaças com restolhos de sopa e a esta cabeça de bagre – o Diretor-geral do leprosário – o senhor Kault – que se julga gênio, quando o único que pode ser é cabeça de bagre –, e só a tempestade o curaria. O Diretor-geral do leprosário nunca ousa vencer as palavras ou quebrar a gramática, por isso crê na gramática e crê em Deus.

Para continuar inteiro em meio ao vento que espalha os incensos, apago as velas, afundo os navios ao largo, finjo, esquivo-me, como se eu fosse barata com caspa na sobrancelha e fedesse à carniça.

Neste inferno onde respiro, dia-a-dia, nacos de mim caem no quarto, no banheiro, no pátio do leprosário de Santa Água. Aprendo, com certa dificuldade, que apenas o silêncio permite desvelar a parte interna de cada coisa contemplada. Depois que sair do leprosário, recordarei com saudade do preto velho Oriki, da monotonia de seu cotidiano. Ele será, para mim, a recordação dos amores que tive ou das ondas que nunca foram de ninguém.

O preto velho Oriki – os olhos carcomidos, a língua sucumbida – aprecia lundus e batuques do Congo –, dança o próprio vazio, traz uns olhos a pensar para dentro coisas de fora, e a minha alma se aclara com essa dança da chuva que o preto velho Oriki espalha pelos corredores gelados do leprosário.

Não tenho próximo de mim a figura da ninfa nua no cavalo de água. Será, talvez, por isso, que eu fique horas a observar o preto velho Oriki dançar? Se o motivo for a falta da ninfa nua, não mereço piedade nem nada. Este preto velho, leproso, nem sabíamos que pudesse guardar na alma a ninfa nua. Agora ele é, por fora, o que sempre foi no íntimo: fonte de água mineral.

No escritório do leprosário de Santa Água, o senhor Kault coça uma chaga na clavícula. Já sabe que contraiu a lepra, que mora numa Casa de vidro, com escorpiões vivos que podemos ver daqui. Os telhados da Casa de vidro fedem a urina. Sim, a lepra nada sabe da sombra da oliveira ao meio-dia. Sabe de jardins escorraçados, de câmaras de gás, de corpos tocados pela cinza das horas. Por causa disso, neste leprosário de Santa Água, não sou capaz, ainda, de um sentimento que dure como duram as pedras. Tudo em mim é outra coisa: uma impaciência de tigre atrás da neblina, um desassossego crescente e sempre igual, que me faz vociferar que tudo me interessa e nada me prende. Leio um poema:


Um livro
Um livro tem
Um livro tem de ser
Um livro tem de ser um
Um livro tem de ser um machado
Um livro tem de ser um machado para
Um livro tem de ser um machado para o
Um livro tem de ser um machado para o mar
Um livro tem de ser um machado para o

mar gelado

dentro

de
nós

A respiração sufocada do preto velho Oriki; não a escuto, estou pensando em outra coisa, estou pensando, por exemplo, que nada deveria escurecer o desejo, e que nada nunca destroça as águas do oceano.

Hoje é domingo, não recebi visita. Aqui, neste leprosário de Santa Água, se narro obscuramente a minha vida sem história, é porque nela só houve esta casa de vidro e, aos escorpiões que vejo nada digo, nada tenho que dizer.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007


Míriam Santini de Abreu, jornalista

Fiz uma croniqueta em maio sobre o espantalho que eu espiava em meio a uma plantação nas minhas viagens semanais a Rio do Sul, SC. E eis que, na semana passada, o reencontro, desta vez acompanhado, no mesmo terreno em declive próximo ao rio Itajaí-açu. Pena não ser possível parar o ônibus para fazer fotos. Mas encontrei um banco de imagens só de espantalhos em
http://www.fotosearch.com.br/fotos-imagens/espantalhos.html Há uma, encantadora, de um espantalho a vigiar um campo de lavandas. E por falar nelas, encontrei outra blogueira que ama alfazemas, em http://mariaalfazema.blogspot.com/ A imagem acima, do campo de lavandas, está disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c7/Lavanda.jpg

Espantalho

Desde pequena tenho fascínio por espantalhos. Não sei o motivo. Também adoro os corvos. São espertos. Conseguem até usar gravetos para alfinetar insetos abrigados em tocos apodrecidos de árvores. Vi isso num documentário. E foi por esses estranhos gostos que, no ano passado, quase fiz um motorista de ônibus parar na BR-470 entre Blumenau e Rio do Sul.
Estava eu sorvendo a paisagem quando, de plantação ainda miúda na beira do rio, aparece um espantalho! Foi num átimo. Aquilo me fulminou. E assim, nas viagens semanais, ver novamente o espantalho era um desejo fremente e difícil.O trecho entre as duas cidades é longo. Eu confundia o lugar onde ele vigiava a plantação e assim ficava minutos a fio com a cara na janela, o pescoço dolorido. Às vezes, não o via.
Depois de algumas semanas, gravei na memória a paisagem do trecho. O espantalho me esperava um pouco antes da curva onde o rio corre no sopé de um morro alto, parecendo o dorso pesado de uma anta, com umas rochas nuas à vista. Que delícia reencontrá-lo! Fiquei meses sem ir a Rio do Sul. Em março último, voltei. E esperei em vão. O milho cresceu e o espantalho sumiu. Estará oculto em meio às espigas? Não sei. Mas aguardo ansiosa o início da semeadura.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Amor

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Na segunda vez em que estive no Rio de Janeiro, com poucas horas para experimentar a cidade, meu certo caminho foi o Jardim Botânico. Queria ali, como Ana, adormecer dentro de mim. Ana, do conto Amor, o que mais amo de Clarice Lispector. Está em
http://www.releituras.com/clispector_menu.asp

Pobres & Nojentas chega ao número 10!

A revista Pobres & Nojentas chega ao número 10 com a edição de novembro/dezembro, que deve circular perto do dia 15. São reportagens, perfis, crônicas, poemas que revelam a beleza dos que fazem o mundo pulsar com o seu trabalho e suas idéias. A revista, a partir desta edição, circula com capa em preto e branco. Uma das reportagens é sobre o lixo, e traz o perfil de Valdinei Marques, que trabalha com educação ambiental no Museu do Lixo em Florianópolis. Veja mais no vídeo.

Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

sábado, 8 de dezembro de 2007

Flores sob o céu de Rio do Sul [SC]

Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

Croniportagem 2 – O rio cai lento


Acima, rio Itajaí-açu; Alécio Leontino Pereira e Olegário Darolt mostram o mapeamento de Rio do Sul feito pela Defesa Civil; à esquerda, Hilbert Schlup



Míriam Santini de Abreu, jornalista

Encanta-me o nome do primeiro jornal nascido no Norte catarinense, o Der Beobachter am Mathiasstrom - O Observador às Margens do Rio Mathias - nascido em 2 de novembro de 1852 pelas mãos do imigrante polonês Karl Konstantin Knüppel. Imagino o homem a observar os humores do hoje poluído rio Cachoeira, que corta Joinville, e os humores dos primeiros colonos, para, pacientemente, redigir pequenas notícias e anedotas que depois eram copiadas e vendidas aos ávidos por informação. Gesto da noite do tempo, tão humano, esse de se deixar ficar à beira dos rios e a partir deles observar.
Foi também o que fez Francisco Frankenberger, nascido em 4 de outubro de 1856 na Alemanha, que veio para o Brasil e, depois de morar três anos em Blumenau, estabeleceu-se em Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí. Era setembro de 1892. Frakenberger observava e escrevia. Seus escritos podem ser lidos em um pequeno diário cor de ferrugem guardado no Arquivo Público Histórico de Rio do Sul e que, segundo a diretora Cátia Dagnoni, é um dos documentos mais importantes do acervo.
O diário é estruturado em duas colunas, a primeira dedicada ao tempo e a segunda aos acontecimentos na Colônia. Dizem, as breves notas, dum lugar de dois séculos atrás, dum cotidiano que muito lembra a expressão de Albert Camus, cotidiano de um primeiro homem, mas cuja história não se evaporou sob o sol nem se perdeu sob a cinza porque foi tornada eterna pela palavra. Os diários escritos em alemão e a tradução para o português estão disponíveis no Arquivo Público Histórico de Rio do Sul e na publicação Rio do Sul: Nossa História em Revista.

Fala, Frankenberger, da busca de alimento nas matas e no rio:

5 de setembro de 1892 - Coberto, chuva. Voltei de canoa, de passagem cacei antas, mas não deu nada.
18 de setembro de 1892 - Nublado, agradável. Pesquei, apanhei quatro peixes.
16 se abril de 1893 – Chuva, de manhã lua nova, coberto, bonito, clareou, muito bonito. Hoje apanhei 5 pacas, a tempestade de ontem quebrou o milho ainda mais.


Anotações sobre os cultivos:

24 de agosto de 1892 - Nublado. Vinho de laranja está ainda a fermentar.
13 de dezembro de 1892 – Muito bonito. Semeamos ervilhas, fui ao Rio do Bugre comprar víveres.
11 de fevereiro de 1893 – Chuvisco, chuva forte. Semeei repolho, alface, pepino, etc.


A anotação considerada historicamente a mais importante é a de 7 de setembro de 1892, que situa Frankenberger como o primeiro colonizador do Alto Vale do Itajaí:

Coberto, de noite chuva. Trabalhei pela primeira vez na minha colônia.

O dia-a-dia na então localidade de Matador tem nascimentos e mortes, passagem de tropas, missas, visitas a conhecidos, doenças, cuidados com os animais (A égua Jenny sofreu mordida de morcego e foi agredida por vermes, aplicamos mercúrio - 7 de novembro de 1892), fenômenos naturais (Chuvoso, agradável, à notinha lua cheia, nublado, eclipse lunar - 4 de novembro de 1892).

Em 12 de agosto de 1892, o Observador registra:

Coberto, nuvens altas, de noite chuva. Não aconteceu nada de especial, tudo está como era.

Os humores da natureza, especialmente do rio – em Rio do Sul está a nascente do rio Itajaí-Açu, formada pela confluência dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste – são saborosamente adjetivados por Frakenberger: forte vento terral, o rio cai lento, violentas trovoadas o dia todo.

Décadas depois desses escritos, em 1983 e 1984, o rio caiu violento; 70% da área urbana do município foi afetada e a agricultura ficou completamente destruída. As duas grandes enchentes atingiram 120 das 125 indústrias, segundo artigo de Daniel Tomasini e Rafael Casanova de Lima e Silva Hoerhnn no livro Rio do Sul: uma história. No mesmo livro, Thaís Luzia Colaço e Jó Klanovicz dizem que há relatos esporádicos sobre enchentes no Vale do Itajaí desde 1851.
O diretor da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil, Alécio Leontino Pereira, informa que, em julho de 1983, quando houve 20 dias de chuva, o rio atingiu a marca mais alta registrada, 15,08 metros. O nível normal oscila entre 1,20 e 1,50 metro. Até quatro metros, a situação é normal; entre 4 e 5, de atenção; de 5 a 6,5, de alerta; acima de 6,5, de emergência. Diariamente, às 7 e às 17 horas, o funcionário da prefeitura Olegário Darolt verifica a altura atingida pelo rio num ponto no centro da cidade.
Como Frakenberger, ele é um Observador, e seus registros viram planilhas no computador. Mas é pouco medir em apenas um ponto. É que essa atividade de monitoramento andava em segundo plano, com falta de investimento, o que deve mudar no primeiro semestre de 2008 com a instalação de novos pontos de medição automática, chegando a 19, com recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos e da Universidade Regional de Blumenau (FURB), totalizando cerca de R$ 1,500 milhão aplicados. Hoje, quando o nível da água pode comprometer o município e a população, são fechadas duas barragens, uma em Taió e outra em Ituporanga, que fazem parte do sistema de contenção de cheias do Vale do Itajaí. O sistema estava com pouca ou nenhuma manutenção, situação que começou a mudar em 2007.

Hilbert Schlup, 67 anos, apelidado de Seu Madruga, maneja com firmeza o rastel com o qual afofa a terra numa área verde da Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (Unidavi) às margens do Itajaí-açu. Funcionário da Universidade há quase 11 anos, ele cuida da limpeza e da conservação, e conhece boa parte das árvores plantadas na barranca próxima à margem do rio, separadas – a barranca gramada das águas cor de chocolate – por uma terra cinza e rachada:
- Olha, ali é um cedro, ali uma canela de casca, e esse aqui é um ipê – enumera Schlup, que está sempre com um chapéu preto um pouco amassado. Tem um para o trabalho e outro para sair – adora ouvir música e dançar. Ele conta que trabalhou na roça, como arrendatário, mas teve que deixar a vida de agricultor para trás. “Depois me joguei de empregado.”
Schlup, quando pequeno, gostava de brincar no rio, e lamenta que hoje as águas do Itajaí-açu não sejam mais cristalinas.
- A gente se jogava ali, era branquinha, o peixe era tanto nos ribeirão de água forte! Hoje não se vê mais um peixe pular, não dá mais coragem de tomar um banho.
O rio, diria Frankenberger, cai lento, e agora também poluído.
  • Veja entrevista com Hilbert Schlup:
Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

Para saber mais sobre os diários de Francisco Frankenberger, acesse os dados sobre o Projeto Resgate do Patrimônio Histórico do Alto Vale do Itajaí: http://www.amavi.org.br/setores/turismo/ph/municipal/riodosul/Folclore%20e%20Tradicao%20-%20Museu%20e%20Acervo%20Historico%20-%20Diario%20de%20Francisco%20Frankenberger.pdf?PHPSESSID=c78bb1217e678ef1b37c717a7b6f91ce



terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Karletras I


Essa matéria fina de toda a certeza --- música do pensamento --- é a palavra,
e com ela pronunciamos o indizível de sermos
céu,
pêssego,
caligrafia.

Com essa fina matéria de toda certeza toco a fímbria do ar,
me despedaço sete vezes,
sou menos que o vento,
uma oração numa varanda,
sou o que eu desejo.

E o meu desejo, se o pronuncio com essa matéria fina de toda a certeza
--- a palavra ---
o meu desejo é que acordemos num quarto novo,
alguns cacos pelo tapete,
uma estrela fervente em cada mão


Fernando Karl


Um canção numa terça chuvosa

http://br.youtube.com/watch?v=_aU02NIFdQM

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Sandices do Papa

Diante das declarações bombásticas do Papa para que se combata o materialismo histórico, a cardosinha rubra e primeira capa da Pobres (e nossa musa), Jussara Godoi, faz um apelo:
"Por favor, alguém poderia dizer ao Papa que o Materialismo Histórico de Marx nada mais é do um método de análise da sociedade??? Como se pode conclamar a humanidade a combater um método científico? Se fosse para combater os materialistas, ele seria o primeiro a ser combatido... Quem possui mais bens materiais do que as igrejas?
Então vamos iniciar uma campanha para salvar o planeta, as teorias sociológicas e os nossos ouvidos".

Ódio, mas não santo

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Escrevo a propósito de dois comentários feitos em duas diferentes postagens no blog da revista Pobres & Nojentas, um referente a Che Guevara e outro ao resultado do referendo na Venezuela, abaixo. Nos dois comentários, espantei-me com o tom virulento das palavras, escritas em maiúscula, como se quisessem se transmitir aos berros. Cheias de um certo ódio, mas não o “majestoso, santo, puro e benfazejo” ódio do poeta Cruz e Sousa. Só ódio.
Cita o Anônimo, num dos comentários, um certo “modelo de democracia respeitada no mundo inteiro”, referindo-se à democracia brasileira, que estaria “sempre se ajustando com o passar do tempo”. Bem, o que me interessa no comentário é essa idéia de democracia, porque me espanta o ódio provocado, em certos grupos sociais e em certos espíritos, por figuras como Guevara e Hugo Chávez.
Num outro comentário, mais um Anônimo faz algumas afirmações sobre Guevara, cuja biografia conheço porque sobre ele li – não a feita pela revista Veja – que também revelam esse ódio sem adjetivos.
Em ambos, parece estar colocada essa idéia de que “os outros fazem o que eu sou incapaz de fazer” ou “os outros não fazem o que sou capaz de fazer”. E tanto num quanto noutro comentário, ressoa também uma análise social que vê na ausência de guerra a ausência de conflito. No comentário sobre a Venezuela, a idéia de democracia é reduzida a uma suposta liberdade de poder falar e pensar. Falar e pensar a partir de quê? Da revista Veja?
Fala o autor do “respeito às diferenças” na democracia brasileira. Sim, existem, mas a partir de um determinado patamar social, bem estreito. Dele para baixo, de tal respeito não há nem sombra. Desse patamar para baixo, onde os degraus são largos e onde está a maioria, mulheres ficam presas com homens, pessoas morrem em filas de hospital, crianças são largadas no lixo. Gente – no dizer de Nietzsche – fatigada até para morrer. Fatos que rendem – alguns – notícias durante uma semana, até que, mantidos os fatos, sejam substituídos os nomes. Democracia da desgraça. Respeito à diferenças, sim, porque, diferentemente do pobre, o nome do rico não freqüenta essas seções dos noticiários. E, sim, isso se ajusta com o passar do tempo no Brasil, porque, cada vez mais, a sociedade em geral se interessa cada vez menos em “falar e pensar” sobre a distância que separa esses dois patamares.
Há mil maneiras de matar, o fuzil de Guevara foi uma delas. As outras 999 são o cotidiano na maior parte das cidades brasileiras, latinas, do mundo, onde vive a parcela para a qual essa “liberdade de poder falar e pensar” não se manifesta. Pela qual poucas bocas gritam. Pela qual não há letras maiúsculas a berrar a injustiça.Não fosse assim, eu não leria nas páginas da grande mídia nessa semana coisas como “Imprensa mundial estampa derrota de Hugo Chávez”. Refestelam-se na derrota.
Penso nisso a propósito do livro “Fábrica de mentiras”, do jornalista alemão Günter Wallraff, que revela o processo de fabricação de notícias do jornal Bild. Wallraff cita trechos em que a empresa proprietária do Bild analisa o papel social do veículo:

O Bild é também um remédio contra o tédio e ajuda a pessoa, segundo sua própria capacidade, a lidar com o mundo que a cerca de uma maneira sensata.

E mais adiante:

A necessidade dos leitores do Bild de um mundo ordenado, um mundo que pode ser visto e compreendido – um mundo que ele procura e encontra no Bild -, inclui também a angústia diante deste mundo impossível de se compreender sem ajuda. Essa angústia do leitor é captada pelo Bild de muitas maneiras... Graças à autoridade do jornal, o leitor livra-se de ter que procurar, por conta própria, ordenar, tornar visível e julgar o que acontece no mundo a seu redor. Como o jornal Bild fornece a seus leitores uma visão ordenada e comentada do que ocorre no mundo – de maneira curta, concisa e decisiva - , eles têm plena certeza de que, apesar de tudo, vêem e compreendem este mundo.


Sem desejar entrar aqui em análises mais minuciosas, de viés mais político, penso que, em certos discursos individuais como os comentários citados – mas amostras de um certo coletivo – o gesto de agarrar-se à idéia de democracia sem perceber a realidade em volta tem muito de medo. Esse medo imemorial que ronda a nossa alma, medo da perda, medo de saber que nunca se está tão alto que não se possa cair, e que nunca se está tão baixo que não se possa levantar. Ninguém – desde que esteja com o espírito apaziguado – deseja cair. E poucos lá no alto se permitem a idéia de que os caídos desejem se levantar, da forma que for, seja ela socialmente aceita ou não. Em nossa sociedade, a idéia de “subir”, “ascender”, é diariamente acalentada na mídia, mas não pode ser um movimento coletivo. É sempre individual, para recompensar alguém por sua “capacidade”, seu “empreendedorismo”, um currículo feito de forma correta, uma certa “qualificação”. A tevê e os jornais estão cheios de notícias desse tipo, fáceis de compreender. Não há que se pensar em ascensões coletivas, porque essas necessariamente exigem chacoalhões na sociedade, na forma de pensar, de agir, na política, enfim. Na tal democracia.
E assim o máximo a que muitos se permitem na suposta vida democrática é essa difusa “liberdade de poder falar e pensar”. Sim, para eles Veja é indispensável.

Derrotado! E agora, quê?

Elaine Tavares – jornalista

Enfim aconteceu. Depois de mais de dez anos e dezenas de eleições, finalmente, Hugo Chávez foi derrotado. O louco, o ditador, o intempestivo, o “negro”, o insuportável populista. Desde Atlanta, o braço armado da comunicação capitalista, foram disparados todos os torpedos midiáticos possíveis e não foi pouco o dinheiro derramado para financiar a campanha do não às reformas constitucionais. Junte-se a isso toda a mesma velha e já conhecida conspiração envolvendo a tão velha e conhecida CIA (Central de Inteligência dos Estados Unidos). Assim, com praticamente o mundo todo fazendo torcida contra (inclusive a Rede Globo, fiel representante da classe dominante brasileira) e com alguns erros estratégicos, Chávez perdeu pela primeira vez. 50,7% a 49,29. Uma diferença apertada que bem mostra a dureza da luta de classe na Venezuela. No início da noite, tão logo saíram os resultados, o presidente foi à televisão, reconheceu a derrota e disse que a Venezuela vai seguir seu caminho respeitando a decisão das urnas. E agora, o que mais vão dizer de Chávez?

O “ditador” reconhece o resultado, diz que a vida segue? Mas como? Ele não é um louco, um anti-democrático? Que se vai fazer agora? Que mensagem será distribuída pelos canais da CNN, pelas agências estadunidenses, pelos porta-vozes do poder? Certamente vão se acirrar as notícias de que o povo da Venezuela voltou a recuperar o juízo, que “os bons” venceram, que a queda de Chávez está próxima e toda a sorte de maledicências. Não é preciso ir muito longe no tempo histórico e vamos ver como foi que os Estados Unidos fez para ocupar o Panamá, Granada, Chile, Afeganistão, Iraque, Haiti, enfim, qualquer lugar que se arvore querer caminhar com os próprios pés.

Durante a semana do referendo, várias foram as denúncias sobre as ações da CIA na Venezuela, financiando estudantes das universidades privadas, buscando apoio de alguns grupos de esquerda e sindicalistas que estão contra Chávez. Esse processo foi desvelado como “Operation Pincer” e mostra que a proposta dos Estados Unidos é criar um ponto fixo de oposição a Chávez envolvendo inclusive, os militares dissidentes. A idéia é iniciar um foco insurrecional com o já roto bordão de “busca da democracia”. Claro que a democracia de que falam é a mesma que estão impondo ao Afeganistão e ao Iraque.

Outro ponto de grande oposição foi a da golpista FEDECAMARAS, de atuação conhecida no episódio do paro petroleiro e no golpe de 2002. Como uma das propostas de mudança constitucional instituía a jornada de seis horas para os trabalhadores, os comerciantes e o empresariado estavam em pânico. Redução de jornada significaria redução de lucros e isso ninguém poderia admitir. Com isso, a mídia (que nunca sofreu censura por parte do governo bolivariano) foi pródiga nas campanhas e na divulgação de mentiras.

Chávez, por sua vez não é um santo, e nem poderia sê-lo. É apenas um político humano, demasiado humano, com toda a sua carga de erros e desacertos. Ele acredita piamente que pela via democrática, com a cada vez maior participação popular, é possível ir mudando os rumos da Venezuela. Ele acredita no seu povo, crê no processo protagônico dos pobres, dos desvalidos. E foi por acreditar que a população poderia reconhecer a importância das mudanças que estão acontecendo no país que ele cometeu alguns erros. Um deles foi não ter feito a consulta ponto por ponto como bem analisa o teórico Heinz Dieterich. Havia muita gente que não estava concordando com alguns dos artigos e isso pode ter levado a grande abstenção que se registrou. Afinal, mais de 44% da população decidiu não votar. Pode ter pesado esse aspecto. As pessoas não queriam votar em bloco, sem poder deliberar artigo por artigo.

Para grande parte dos trabalhadores e dos camponeses a derrota do sim significa um grande travo nas conquistas populares. Como bem lembra o analista estadunidense James Petras, um dos artigos da mudança constitucional acelerava ainda mais o processo de reforma agrária tornando mais ágil a expropriação das terras. Segundo Petras, Chávez já assentou mais de 150 mil trabalhadores sem-terra sobre 2 milhões de acres [809,4 mil hectares). E tudo isso num país que até pouco tempo importava tudo o que consumia. Além disso, uma outra emenda garantia a cobertura universal de segurança social a todos os trabalhadores do setor informal (vendedores de rua, trabalhadores domésticos, auto-empregados) que representa hoje 40% da força de trabalho na Venezuela.

Não bastasse isso, entre as mudanças havia a que garantia admissão aberta e universal à educação superior, abrindo as universidades para os mais pobres e outras que aumentavam o poder o orçamento dos conselhos de moradores para que pudessem atuar e investir diretamente nas suas comunidades. Tudo isso eram mudanças insuportáveis para a classe que sempre esteve no comando e que ainda detém o poder econômico na Venezuela. Não foi à toa que a luta se deu de forma renhida.

Grande parte dos analistas é unânime em dizer que o ponto que mais pesou para a abstenção foi o que garantia ao então presidente a possibilidade de se apresentar de forma ininterrupta para as eleições. Essa possibilidade de a Venezuela ter Chávez como presidente por anos a fio foi a gota de água que fez com que o capital usasse de todas as suas armas para derrotar o venezuelano. Modestamente colocada na minha condição de mera “olheira” dos fatos, me permito discordar. Esse foi talvez o ponto mais discutido, o que garantia aos poderosos do mundo disseminar o preconceito através da palavra “ditador”. Mas, uma olhada no conteúdo das mudanças, e a gente já pode ver que a questão foi bem outra. Caso passassem as reformas, a Venezuela daria um gigantesco passo na direção da Reforma Agrária, do direito dos informais, das melhorias para os trabalhadores empregados, de uma segurança previdenciária justa e muito mais. Esses artigos, independentemente de quem estivesse no governo, seriam por si só, insuportáveis para os donos do capital. Então, Chávez estar ou não na presidência não teria importância alguma. Os direitos estariam garantidos e seriam defendidos pelos conselhos populares, também fortalecidos pelas mudanças.

Assim, o que estava em jogo na Venezuela era sim o poder popular. A garantia dos direitos dos trabalhadores, dos empobrecidos, das gentes organizadas. É nesse sentido que o erro de Chávez assume uma dimensão desalentadora. Porque, ao tentar garantir uma possibilidade de reeleição, votando em bloco todas as mudanças, acabou perdida – nesse momento - a possibilidade de um avanço concreto nas conquistas do povo. Então, talvez seja hora de o governo venezuelano perceber que as elites não estão mortas, que o poder econômico é forte, que a classe média é assustadiça e escorregadia e que muita mais gente do que se pode imaginar tem medo de ver o povo no poder. Às vezes, gente do próprio povo que não consegue se libertar de sua condição de escravo. Os servos voluntários, sempre prontos a tremular a bandeira de seus opressores.

Mas, passado o momento de perplexidade das gentes em luta, sempre é tempo de retomar o caminho. As conquistas podem ser recuperadas pontualmente, uma a uma. Não é hora de esmorecer. Muito pelo contrário. O resultado das eleições só prova que a luta de classes segue acirrada e que ainda há muito por fazer. Não é fácil, nunca foi, lutar contra o império. A história mostra que, nestes embates, os mais fracos sempre acabam acossados, esmagados, dizimados. Na Venezuela, nos próximos meses, saberemos, enfim, quem são os fracos. Não deu agora. O tempo dará as respostas...

domingo, 2 de dezembro de 2007

Abaixo a monarquia!

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Não vi nem ouvi mais nada sobre o sumiço de abelhas. Sumiram as notícias. O primeiro alerta, pelo que sei, veio da Espanha e da França em 2000. Em 2006, foi a vez dos Estados Unidos, onde o fenômeno foi registrado em 29 estados: as abelhas saíram das colméias e não voltaram. No Brasil, produtores de mel e agricultores de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul também detectarem sumiço ou morte abrupta de abelhas.
Calcula-se que, só nos Estados Unidos, a polinização feita pelas abelhas injete aproximadamente 14 bilhões de dólares na atividade agrícola. Há várias suspeitas - nenhuma delas relacionada a uma possível rebelião das abelhas contra a rainha - para o problema: uso de agrotóxicos, presença de protozoários e até cultivos de plantas geneticamente modificadas. Não é brincadeira. Notícias (de meses atrás) sobre o assunto podem ser lidas em:
http://envolverde.ig.com.br/?PHPSESSID=58c01cec461e487d730a9db207e8d699&busca=abelhas#

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

IELA faz festa Latino-Americana

O Circuito de Cinema Latino-Americano e Caribenho “Alí Primera”, promovido pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA/UFSC), termina o seu primeiro ano com uma festa político/cultural. Depois de levar para a universidade um circuito de filmes sobre a realidade e a história desta parte praticamente esquecida do continente, o Circula alia o cinema com a música, a fotografia, o texto e a mística. Tudo em nome da transformação deste mundo que aí está.

Assim, neste dia 04 de dezembro, terça-feira, realiza uma festa que terá desde a projeção de filme até o lançamento de um livro sobre a África. A idéia é misturar arte, cultura, educação, propostas de mudança e fazer uma grande celebração de final de ano, preparando terreno para mais um tempo de discussão e debate sobre as lutas na América Latina.

A programação, na sede dos Volantes, começa às 18h, com a projeção do documentário: “Encontro com Milton Santos”. A partir das 20h será apresentada uma mística e acontece o lançamento do livro Minhas Memórias de África, do fotógrafo paulista Thomas Bisinger. Logo em seguida é a vez da música latina entrar em cena. Samba , salsa, cueca, tango, chacarera, cumbia e tantos outros ritmos que fazem desta “nuestra” América um espaço de alegria. Então, aliando lutas, denúncias, desejos de transformação e dança, o povo do Circula/IELA se despede de 2007 e promete: em 2008 o circuito segue, e cada vez melhor.

A festa latino-americana começa às 18h, no salão de festas da Associação dos Servidores da UFSC (Volantes), ao lado da Igrejinha. Haverá comida e bebida típicas de vários países da América Latina. Ingresso R$ 3,00 – dá direito à comida e um copo de Chicha.

Olhar crítico no jornalismo

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Mais uma turma está se formando em Jornalismo na Unidavi, Rio do Sul, Alto Vale do Itajaí, norte de Santa Catarina, e começa a temporada de defesa de Trabalhos de Conclusão de Curso, os TCCs. Destaco cinco cuja execução acompanhei e que revelam uma preocupação dos estudantes com temas complexos, vistos sob uma ótica crítica. Aline Kummrow escreveu a grande reportagem “Terra herdada, terra paga”, que fala sobre o conflito entre agricultores e índios na Terra Indígena Laklãnõ, também conhecida como Reserva Indígena Duque de Caxias. Djanaina Peiker, na grande reportagem “Bichos de Passagem”, mostra como Santa Catarina recolhe e trata os animais silvestres que precisam de cuidados.
Marilene Franz, também na modalidade grande reportagem – intitulada “Mulheres de Rio Sul – superando obstáculos e vivendo com HIV/Aids” – escreveu sobre o atendimento prestado no município às mulheres que têm o vírus. Com o título “Por amor a Camila”, Roberta Bilk fez um livro-reportagem para relatar a experiência de pessoas com Síndrome de Down. Por fim, Sheyla Germano, no livro-reportagem “Katanghára: Memórias do Pacificador”, conta a trajetória de Eduardo de Lima e Silva Hoerhan, considerado o “pacificador” dos índios Kokleng.

Ilha da Magia... Para quem?

Ocorre nesta quinta-feira (29/11), às 15 h, na Câmara Municipal de Florianópolis, uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei Complementar nº 768 de 2006, que tem por objetivo o cancelamento da construção da avenida SCI-15. Caso seja aprovada sua construção, a avenida SCI-15 vai atravessar o Parque Ecológico do bairro Córrego Grande, ligando a Avenida Ângelo Crema à Av. Prof. Henrique da Silva Fontes (Av. Beira Mar). A obra está prevista na Lei Complementar nº 001 de 1997 e representará um grande impacto ambiental sobre o horto florestal. Veja foto que simula o traçado da avenida SCI-15 e leia mais informações em: http://ises-do-brasil.blogspot.com/2007/11/avenida-passar-por-dentro-de-parque.html, site de onde foi extraída essa informação.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Caso de polícia

A UFSC reuniu o Conselho Universitário para discutir e votar o projeto do governo federal que "expande" a universidade. Migalhas para uma instituição que já morre à mingua. Estudantes e técnicos-administrativos foram barrados na discussão. Impedidos de entrar pela segurança interna e com toda a ostentação da Polícia Federal. É assim que a UFSC vem tratando todos os debates que envolvem a vida da universidade: como caso de polícia. Reitoria surda e desconectada da realidade de seus estudantes e trabalhadores. Conselho Universitário covarde e incapaz de dialogar. Mas estudantes e trabalhadores seguem na luta. Contra o Reuni e a favor da qualidade na educação, afinal, educação não é mercadoria.

http://www.youtube.com/watch?v=fIVZltLv_8k

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Uns braços

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Sabedora, por esse blog, de minha atração por braços, uma colega blogueira indicou-me a leitura de "Uns braços", de Machado de Assis, e aí encontrei, palavreada, a expressão dos meus desejos. E compartilho:
http://www.biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/unsbracos.htm

Amanhecer proverbial

Por Fernando Karl, poeta e jornalista

Há dias que amanheço dizendo provérbios...

Um domingo desses saí para almoçar e, cada vez que falava, pintava algo do tipo:

1. "de grão em grão a galinha enche o papo"
2. "mais vale um pássaro na mão que dois voando"
3. "só dando com o gato morto no louco até o gato miar"
4. "água mole em pedra dura tanto bate até que fura"

depois fui devidamente internado no Manicômio de Água Santa,
na ala das virgens,
e agora, em vez de provérbios,
eu escrevo, com meus lábios,
périplos pelas peles e singro pelos pêlos
dessas mulheres atônitas de estarem aqui, junto comigo,
e deram tanto com o gato morto em mim que eu ressuscitei

ergui âncoras e dei a volta ao mundo
num véu


sábado, 24 de novembro de 2007

Croniportagem, gênero das Periodistas Pobres & Nojentas

O blog de Pobres & Nojentas entra em nova fase! Vamos enriquecer esse espaço de textos e fotos com pequenas reportagens em vídeo, tanto no blog quanto em conta própria no You Tube. As Periodistas Pobres & Nojentas estão colocando em prática o gênero Croniportagem, misto de crônica e reportagem para “exercer a pureza com ferocidade e reinventar a língua portuguesa dentro de nós”, como diz o poeta e jornalista Fernando Karl, que atualmente mora em Curitiba. Prometemos teorizar sobre isso, mas, por ora, vamos apenas croniportar!

Croniportagem 1 - Sob o céu de Ibirama


Nas fotos, Ibirama vista do antigo hospital Hansahoehe e objetos de Eduardo Hoerhan expostos no Museu

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Diz o poeta e jornalista Fernando Karl:
“Falamos em português - língua sumarenta - porque não exercer, então, a pureza com ferocidade e reinventar a língua portuguesa dentro de nós?”


Língua sumarenta... A língua portuguesa levou-me a Ibirama, Alto Vale do Itajaí [SC] numa tarde quente de novembro. A cidade não me era estranha, com seu relevo arredondado, as pontes sobre o rio Itajaí-açu, a construção imponente no alto de uma colina, construção e colina objetos de meu desejo. Uma Igreja? Escola? Eu não sabia, e, estando a caminho de Rio do Sul, não havia como parar na rodoviária e tirar o véu dos mistérios daquele prédio com a fachada repleta de janelas. Mas eis que descubro a história de Eduardo de Lima e Silva Hoerhan, responsável pela chamada “pacificação” dos índios Xokleng do Alto Vale do Itajaí.
A revelação se deu pelo escrito de Sheyla Germano, estudante de jornalismo na Unidavi, em Rio do Sul, que mora em Ibirama e fez o seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre Eduardo Hoerhan. E desde que li a história deste homem – pureza e ferocidade demasiado humanas, chamado pelos indígenas de Katanghára, o rijo – não tive descanso até parar em Ibirama e conhecer o Museu onde estão alguns de seus objetos pessoais e o Cemitério onde ele foi enterrado. E o Museu, descubro, era na construção da colina, o antigo hospital Hansahoehe. Serendipity!
Lá encontro Wilde Bauner, em cujas mãos cuidadosas aqueles antigos vestígios experimentam, de novo, a vida:

Chapéu marrom manchado
Arreios de grosso couro
Botas negras de cano alto
Antigas fotografias, de antigos feitos. E aquela que tanta impressão me causou. Eduardo Hoerhan quase nu, corpo sem pêlos, curva acentuada nos ombros largos, no peito um colar indígena.


E vamos depois, eu e Sheyla, ao Cemitério, onde uma flecha de pedra à guisa de cruz, à sombra de uma palmeira, marca o lugar de descanso do Pacificador. No túmulo, apenas o epitáfio:

“Aqui jaz Katanghara. De seus nobres feitos podem falar as matas virgens de Santa Catarina ou os koingang de longos e negros cabelos que bem o conheceram.”

E experimento ali, sob o céu de Ibirama, o encontro desejado desde que a portuguesa língua deu a conhecer, revivida no livro-reportagem “Katanghára: Memórias do Pacificador”, a tortuosa trajetória de Eduardo de Lima e Silva Hoerhan.

Museu Eduardo de Lima e Silva Hoerhan

Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

A Igreja dos Lavados


A fonte era atrás da Igreja dos Lavados – e fiquei horas num êxtase, língua à brasa de coxas, andando, no pensamento, em torno do poço com erva da tempestade no céu da boca. Bebi aguardente, benzi pedras e gatos. Vi, pela primeira vez, o aspecto interior da fonte de água mineral que me envolve e me incita ao linho. Sonhei, chuva a chuva, o abismo em que me precipitei nulo. Escutei em meus tímpanos o bosque de uma voz que desfiava uma barca na correnteza. Retirei da sombra a meu Lautréamont íntimo, a meu ser colossal, e tirei-me a ferros das entranhas de mim mesmo. Devaneio entre o bairro de Água Branca e o bairro dos Paulas. Gozo antecipadamente o prazer de ir tocar as coxas de uma das três mulheres do sabonete Araxá. Uma hora estou aqui deitado nas folhas das folhas de relva, outra hora estou lá, e pratico ablução com areia embaixo de um baobá, vendo os ângulos algumas vezes cáusticos do absurdum – bate o fino tambor de Dennis Radünz: absurdum, absurdum, absurdum. Tornamo-nos cadáveres, ainda que falsos, até atingirmos aquele ponto da ilusão em que a própria ilusão se destroça, onde já não distingüimos quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Porque, de resto, o que fingimos é isto, fingimos ser cadáveres e não sabemos o que somos realmente. O único modo de estarmos de acordo com essa vidraça – ou a vida –, é estarmos em desacordo com nós próprios e com esses talhos fundos sobre a fauce, como feitos por dentes de garfo. O absurdo é o divino e eu passo por entre lianas, alcanço o retábulo de pedra e nele adormeço. Acordo para estabelecer a seguinte teoria: o mar assina oráculo na carapaça da lagosta, depois age contra ela, para justificar o quanto é oco esse oráculo e ocas as nossas ações e as teorias que as vivificam. Talhar uma tainha na nuvem, e logo em seguida agir contrariamente ao mar e seguir por essas espumas. Ter, nos gestos todos, jorro de água e, no pensamento, uma loja de cristais; gestos aquáticos e o inferno é esse gato persa que penetra surdamente na loja de cristais e os cristais – tensos todos – confidenciam que nem somos gato persa nem pretendemos ser nuvens. Adquirir um livro para ler nas páginas desertas a pétala, o salmão e, se pétala de salmão é escama, também é selo de poesia. Ir a concertos para não escutar os cellos suntuosos de Brahms nem para ver o Mister Wong que sempre lá está (no auditório de um concerto, todo calvo é sempre o Mister Wong); dar longos passeios por cima das ondas, andar no bosque vazio por estar farto de andar no bosque vazio e ir passar domingos com a cabeça embaixo do travesseiro só porque ali o céu não nos aborrece. Agora, que me oprime a roda-de-ferro na fronte, aquela angústia antiga me conta que chovem fios de mel na carpa, por vezes bebo o andamento delas num aquário e respiro deitado numa das longas folhas da bananeira. E como, ao sair eu, o vento verificasse que a garrafa de vinho ficou pela metade, o vento bateu com a cortina na garrafa, aliviou-a de repente de seu líqüido e o vento se afastou.

Fernando José Karl
Foto: Cartier Bresson na Itália

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Magia sob quatro rodas



Míriam Santini de Abreu, jornalista

Na terça-feira, dia 20, eu tinha três compromissos em diferentes bairros de Florianópolis. Para dar conta deles, precisei usar 11 vezes o transporte coletivo da Capital, chamado “integrado”. 11! Inacreditável. Do primeiro ao segundo compromisso, saí do bairro Itacorubi para chegar à Estação Ecológica de Carijós, às margens da rodovia de acesso à Jurerê e Praia da Daniela. A campainha do coletivo estava com defeito, puxei a cordinha alguns metros antes da parada, o motorista não ouviu.
Eu esbravejando, e o cobrador, impávido: - Puxou depois da parada.
Até a estação seguinte foram mais uns dois quilômetros, porque ao redor da rodovia há manguezal, pouquíssimas casas.
Desço, atravesso para o outro lado e, entre o sol da uma da tarde e a espera de outro ônibus, prefiro caminhar.
E, pela estrada afora, eu vou bem sozinha...
Depois de meia hora de caminhada, 30 graus na moleira, chego aonde queria.
Filmei e fotografei o lugar, lindo...
A Ilha da Magia é ótima, mas para quem tem carro.

Editoras de P&N têm dois artigos em livro

Será realizado no dia 29 de novembro, quinta-feira, às 18h, no Hall do Centro Sócio-Econômico da UFSC, em Florianópolis, o lançamento da segunda edição do livro Universidade: a democracia ameaçada, organizado por Valdir Alvim, Waldir Rampinelli e Gilmar Rodrigues. Um das editoras de Pobres & Nojentas, Míriam Santini de Abreu, assina o artigo “A resposta do poder ao movimento grevista de nove meses na UERJ: ruptura do discurso e da prática da democracia. Já Elaine Tavares, também editora de Pobres & Nojentas, assina, com Raquel Moysés, o artigo “Esta democracia?! Ou a invenção do novo...” A obra tem 14 artigos, com autores da UFSC e de outras universidades, entre os quais professores, técnicos-administrativos e estudantes.
O livro Universidade: a democracia ameaçada tem como objetivo principal analisar e apontar novos rumos para o avanço de um processo democrático na universidade brasileira. Para tanto são abordados vários assuntos, entre os quais o papel dos intelectuais na sociedade, passando pela democracia e pelas eleições internas, focando o dirigismo dos órgãos fomentadores de pesquisa, analisando o carreirismo que leva “à raridade do pensamento crítico e abrangente”, discorrendo sobre o movimento estudantil e dos técnicos-administrativos, denunciando o expansionismo dos cursos pagos lato senso, discutindo a idéia de universidade e a recente reforma universitária. Temas por demais importantes que requerem uma discussão constante. Universidade: a democracia ameaçada é o resultado de um debate permanente nas comunidades universitárias, bem como entre os próprios autores.


- Apresentação: Ricardo Antunes – Professor da Unicamp;- Prefácio: Zilda Márcia Grícoli Iokoi – Professora da USP;- O Papel dos intelectuais na transformação social: James Petras - Universidade de Nova Iorque;- Universidade, Sociedade e Política - Adriano Luiz Duarte e Waldir José Rampinelli – UFSC;- Democracia capilar – Armando de Melo Lisboa – UFSC;- Esta democracia?! Ou a invenção do novo... - Elaine Tavares e Raquel Moisés – UFSC;- A corrida pelo Lattes - Antonio Ozaí da Silva; UEM;- A resposta do poder ao movimento grevista de nove meses na UERJ - Míriam Santini de Abreu – UFSC;- Representação, Participação e Democracia – Rodrigo Mioto dos Santos – UFSC;- A crise da universidade, o desafio digital e a democratização do ensino - Sérgio Luiz Prado Bellei – UFSC;- Democratização universitária com políticas de comunicação – Paulo Fernando Liedtke e Moacir Loth – UFSC;- Kant, Derrida, e a idéia de universidade - Maria de Lourdes Borges – UFSC;- Entre Córdoba e Washington: a disputa pela reforma universitária na América Latina – Nildo Ouriques – UFSC;- Democracia e Universidade: A reforma que não reforma - Fernando Ponte de Sousa – UFSC;- Rumos da Educação Universitária – Célio Espíndola – UFSC;- Ensino público e gratuito: a problemática dos cursos de pós-graduação ‘lato sensu’ e as fundações de apoio – Valdir Alvim e Gilmar Rodrigues – UFSC.

LEIA ARTIGO DA PROFESSORA MARLI AURAS ESCRITO PARA O LANÇAMENTO DA PRIMEIRA EDIÇÃO DO LIVRO:

Por que a democracia encontra-se ameaçada no interior da Universidade?
Marli Auras - Professora Titular do CED/UFSC, aposentada

Está para ser lançado o livro Universidade: a democracia ameaçada, organizado por Waldir Rampinelli, Valdir Alvim e Gilmar Rodrigues, pela editora Xamã, São Paulo. Trata-se de uma obra composta por 14 artigos, todos de autoria de integrantes do cotidiano universitário, professores, pós-graduandos, jornalistas e servidores técnico-administrativos da UFSC e de outras universidades públicas brasileiras e latino-americanas. Posso afirmar que o traço comum a amalgamar os artigos é a forte preocupação para com a defesa do caráter público da Universidade, sob diversos ângulos do trabalho realizado no interior da instituição. Daí o próprio título da obra, que apresenta como inspiração e como força motriz o entendimento de que, para que se consiga ampliar, realmente, com firmeza e coerência, tal compromisso com o público, é indispensável a ampliação e o aprofundamento das práticas democráticas também no âmbito da própria Universidade. Inclusive porque esta instituição, mantida pelos cofres públicos, diante do avassalador domínio do analfabetismo, funcional ou não, a caracterizar historicamente a sociedade brasileira, é um campo privilegiado para a promoção do avançar da democracia em nosso meio, teórica e praticamente (para percebermos mais fundamente o significado disto, é fundamental lembrarmos que a pesada e distorcida carga tributária nacional, proporcionalmente, acaba incidindo mais sobre a multidão dos brasileiros que ganham menos, sob a forma de impostos indiretos, como é o caso do ICMS).

Considero importante recordarmos que a UFSC proclama como sua missão “produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, científico, artístico e tecnológico (...) na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática”. Será que tal mister vem, de fato, sendo perseguido e concretizado? O livro ora em pauta possibilita levantar sérias dúvidas a respeito, chegando mesmo a afirmar que a democracia encontra-se ameaçada. Diante da continuidade secular do abissal quadro de excludência a caracterizar a realidade de nosso país (1) mantendo o Brasil na vergonhosa posição de ser um dos campeões mundiais no quesito desigualdade econômico-social, apenas superado por um e/ou outro país do continente africano (geralmente marcados pela presença de guerra civil entre seus diferentes grupos étnicos), urge perguntarmos pela real densidade do caráter público da propalada democracia brasileira e perguntarmos, também, já que são questões inter-relacionadas, pelo caráter público da universidade pública. Se o grande traço de nossa paisagem social é a desigualdade, a marcar feito um vergão gerações e gerações de nossos patrícios Brasil afora, seria ingênuo imaginar que a Universidade nada ou pouco tem a ver com tudo isso.

É fundamental, pois, que venha a contribuir para a criação de um outro “clima cultural”, que problematize fundamente o “status quo”, que busque desvelar - em todos os campos do saber - a gênese e os nexos responsáveis pela sempre reiterada reprodução do mesmo, de modo a possibilitar o avanço das condições históricas capazes de, efetivamente, promover a construção da “res publica”. Tal imperativo demanda, ao fim e ao cabo, a construção de um projeto nacional, democrático, popular, que trate de responder, de fato, ao desafio de mobilizar legiões e legiões de brasileiros, de todas as idades e quadrantes, para a geração de um coletivo que possa romper com a condição subalterna e garantir mais e mais uma vida decente e digna para o conjunto da população.

Todos os artigos da obra aqui referenciada, encharcados por esse caráter militante, desafiam ao debate, à produção de novas e singulares sínteses a partir da diversidade do trabalho realizado nesta instituição. Vale a pena conferir. O leque das discussões vai do papel dos intelectuais latino-americanos na transformação social aos rumos da educação universitária brasileira sob o domínio do capital financeiro e do conservadorismo. O que vem a ser democracia (é preciso “democratizar a democracia”) e a própria idéia de universidade, a relação entre o público e o privado e a questão do exercício do poder no interior da instituição, seus vários processos eleitorais, a acelerada corrida pelo Lattes (condição “sine qua non” para a vida acadêmica), a ausência de uma política de comunicação entendida como um bem público, a longa greve de nove meses dos servidores da UERJ e o desvelamento do discurso supostamente democrático da reitoria e a cerrada luta do movimento estudantil da Universidade Estadual de Londrina (PR) pelo alargamento de sua participação, são temas, todos da maior importância, trabalhados na obra em pauta, Universidade: a democracia ameaçada.

Mas há ainda mais. O leitor interessado encontrará artigos que, feito dardos, lançam perguntas fundamentais, tais como: “Com a universidade pública em descaso, é a sua reforma que precisamos discutir?”, “Por que atualmente se descarta com tanta facilidade o compromisso nacional que ‘toda’ universidade possui?”, “Como é possível que milhares de universitários brasileiros se dirijam, ano após ano, às universidades estadunidenses e européias e não percebam que as instituições que freqüentam e nas quais conquistam seus títulos são ‘universidades nacionais’?”.

Continuam, na obra, as problematizações, todas fecundas e fundamentais, abordando a relação crise da universidade, desafio digital e democratização do ensino (formação educacional para aprender a comprar ou para aprender a refletir?). Por fim, gostaria de destacar um artigo que, pela riqueza e seriedade de suas fontes, alcança o caráter de uma denúncia: “Ensino público e gratuito: a problemática dos cursos de pós-graduação ‘lato sensu’ e as fundações de apoio” (2). Você sabia, caro leitor, que há casos de professores que conseguem faturar cerca de R$ 70 mil mensais só com a remuneração recebida das fundações? E que há casos de alguns tão envolvidos com o oferecimento de cursos pagos fora da sede que chegam a ser substituídos pelos seus doutorandos que, como orientandos-professores, “eram remunerados pelas aulas ministradas!”?Para finalizar, faço minhas as palavras da professora Zilda M.G. Iokoi, da USP, responsável pelo prefácio: “Considero que este livro será muito significativo para o debate sobre a democratização da universidade, que, como puderam observar, é equivalente ao da democratização da sociedade”.

(1)A propósito, recentemente, em 21-09-05, a “Folha de São Paulo”, no Caderno Dinheiro, publicou a reportagem “Fosso – Brasil não só está entre os 4 países mais desiguais em estudo do Banco Mundial como tem mecanismos para perpetuar situação - Bird vê ‘armadilha da desigualdade’ no país”, p. B-1.
(2)Por uma questão de espaço e isonomia, não estou citando os autores do artigo, a exemplo de todos os demais que compõem o conjunto do livro.

Blog, território livre para cães


Essa vem do Espírito Santo! Che Catatau, o cão revolucionário de Abya Ayla, personagem criado por Leopoldo Nogueira a partir de Catatau, um cachorro que circula no Campus da UFSC, em Florianópolis, virou cão-propaganda de uma clínica! Catatau, que já era exibido, agora ficou muito mais, e ontem foi visto uivando para a lua numas macegas da UFSC!
Quem deseja saber mais sobre o peludo pode acessar http://fabulemicas.blogspot.com/

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Sinergia lança livro sobre sindicato e cultura

No dia 21 de novembro, quarta-feira, o Sinergia (Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis) vai lançar o livro/revista Sindicato e Cultura. A obra aborda o papel do sindicato na atualidade e reflete sobre vários conceitos de cultura, abordando também o processo de construção do Sinergia em seus 17 anos de existência. O lançamento do livro/revista será às 18h30min, na Fundação Cultural Badesc, rua Visconde de Ouro Preto, 216, centro, Florianópolis.

Mészáros faz conferência em Florianópolis


Figadas de verão

Por Míriam Santini de Abreu, jornalista

Adoro a Serra Gaúcha no verão. Os caminhos para as colônias cheiram a uva, os parreirais amaciam a minha melancolia. É época de figos, também, e torço para que minha mãe e minha tia Nique mais uma vez façam figada.
Lembro do ritual, guardado nas memórias de infância:


Comprar uns 10 quilos de figo, o açúcar.
Moer. Despejar o fruto no tacho.
Mexer, mexer, horas a fio, com uma pá de madeira.
Que canseira, aquilo. A uvada é pior, as bolhas doces pulam, às vezes nas mãos.
Eu mexia uns 10 minutos e cansava. A mãe e a tia não cansavam.
Depois, despejar a pasta docemente viscosa nos potes de vidro.


O tacho, como dantes, continua a ser acomodado no canteiro. Negro por fora, dourado-escuro por dentro. E as minhas duas bruxas ali manejam a pá, naquele caldeirão doce. Eu gosto de olhar. E, depois, deslizar, com indolência, a fruta virada pasta num pão caseiro recém-saído do forno. Mas, nem que por uns minutos, eu também deslizo a grande colher de pau no fundo do tacho, preguiçosamente, só para poder dizer que também fui partícipe daquele ritual da colônia.

domingo, 18 de novembro de 2007

Trabalho pesado

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Volta e meia me pego pensando em uma notícia lida no final de setembro, “Bombeiros apagam incêndio que durou 180 anos em mina chinesa”. Dizia que a equipe especial de bombeiros trabalhava na extinção das chamas desde 1997, e que o fogo fora provocado aparentemente por mineradores que teriam discutido com seu capataz, na mina Rujigou --região autônoma de Ningxia-- no século 19. O incêndio consumiu 30 milhões de toneladas de carvão, cerca de 10% da reserva total da jazida, em quase dois séculos.
De tudo isso, tão inusitado, o que mais me chamou a atenção foi o fato de que, devido à alta toxicidade da fumaça, cada bombeiro só podia trabalhar no máximo 10 minutos seguidos, o que retardou as tarefas.
Dá para imaginar um serviço desses?
Um livro-reportagem a propósito do tipo de trabalho reservado para determinados grupos sociais é “Cabeça de Turco”, do jornalista alemão Günter Wallraff. Em 1983 ele publicou anúncio em jornais de seu país para procurar emprego, “mesmo que seja muito pesado e sujo, mesmo que paguem pouco”. E assim, meses a fio, ele se empregou disfarçado de turco, justamente para mostrar como a sociedade alemã tratava esses imigrantes. O capítulo no qual fala sobre suas atividades de limpeza em uma usina nuclear é terrível. O trabalho era terceirizado, e subempreiteiras pagavam miséria para que os operários se expusessem à radiação.
Em poucos dias, ou horas, às vezes até mesmo segundos, eles recebiam a dose máxima de radiação permitida por ano. Isso, no jargão nuclear, era chamado, segundo o jornalista, de colocar o operário para “queimar”. Ninguém era avisado sobre as seqüelas tardias que a radiação poderia provocar.
O trabalho de limpeza nas usinas siderúrgicas é igualmente terrível. Descrição de Wallraff:

Depois de uma hora de ofensas e tormentos, o “xerife” aparece e constata que é impossível prosseguir com essas ferramentas primitivas. Manda buscar perfuratrizes, brocas e compridas raspadeiras. Sem máscaras, voltamos a atacar a massa compacta, provocando nuvens de pó. Sob os constantes insultos dos dois chefes, rastejamos para o interior da máquina. O barulho estrondoso das perfuratrizes ecoa nos estreitos dutos metálicos, ensurdece-nos completamente. Protetor de ouvidos? Nunca ouvimos falar nisso... os olhos ardem, o nariz escorre, todos começam a escarrar. É o inferno! [...]
Os joelhos estão ensangüentados; as calças, esfarrapadas; as luvas de trabalho, despedaçadas. E a máquina de transbordo continua parada! Já faz treze, catorze, quinze horas que estamos aqui dentro, batendo com estas ferramentas pesadas e engolindo todo este pó [...]


Aos turcos, diz o jornalista, restam poucas alternativas além desse tipo de trabalho, caso queiram permanecer na Alemanha.
Sobre a questão do trabalho no mundo capitalista vale ler “O horror econômico”, da jornalista francesa Viviane Forrester, sobre o qual há várias resenhas na internet.
Há que se pensar que não é apenas o trabalho dito pesado que adoece as pessoas. Um caso ilustrativo é o dos bancários, cada vez mais acometidos por lesões por esforço repetitivo. E, se os sindicatos que representam esses trabalhadores fazem a luta necessária junto aos banqueiros, o mesmo não acontece em relação às milhares de pessoas que trabalham nas lotéricas, fazem serviço de bancário e tem representação legal frágil como categoria profissional. Assunto que vale uma grande reportagem.